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Filosofar consiste em inverter a direção habitual do trabalho do pensamento”

– Bergson, O Pensamento e o Movente

Vivemos o instantâneo e o evanescente. A história da filosofia é a história do esquecimento progressivo da duração, sendo o pensamento positivista o seu cume. A tecnologia nos faz fotografar com qualidade o presente para esquecê-lo no dia seguinte. É preciso lutar contra essa tendência. Desde o começo a filosofia das formas, o ser das ideias que está atrás da realidade, nos fez perder este mundo. E hoje podemos dizer que a geometria matou o movimento, o momento matou a continuidade, o Cronológico matou o Kairós. A velocidade nos tornou máquinas e a modernidade, escravos.

Bergson denuncia as falsas soluções do mundo tecnológico, que nos tornam seres cada vez mais robotizados, pobres de subjetividade, apertadores de botões. Bergson denuncia também a filosofia que seguiu esta trilha da imobilidade, fazendo-se submissa da ciência, que atirou a flecha ainda mais longe.

O que é Filosofia? Bem, podemos dizer primeiramente que a filosofia antiga é toda constuída em torno do ser, do imutável. Este caminho nos leva diretamente para a Física que faz do pensamento a ferramenta para entender imobilidade para o espaço e degrada o tempo para pensá-lo da mesma maneira. A ciência cumpre apenas metade da tarefa, mas arroga para si todos os direitos. Eles realmente nos ajudam a encontrar soluções tecnológicas. Mas o problema é que se propõe a invadir o campo da filosofia. Ou melhor, a maneira com que filosofamos nos submeteu ao pensamento científico. Precisamos fazer a volta e repensar a vida que levamos.

Bergson segue outro caminho. Ele diria que problemas na nossa vida é que estão mal colocados! Estamos tentando encontrar soluções para falsos problemas, por isso não encontramos boas respostas! Vivemos desconfortáveis como se alguma coisa estivesse fora do lugar, e realmente está! Precisamos aprender a problematizar, repensar as próprias perguntas! Por isso precisamos tomar tanto cuidado com a filosofia. Não filosofar, ou filosofar mal, é um veneno para a vida! Faz mal!

Deve-se considerar que a filosofia, tal como a definimos, ainda não tomou consciência completa de si mesma. A física compreende seu papel quando empurra a matéria no sentido da espacialidade; mas teria a metafísica compreendido o seu quando pura e simplesmente acertava o passo com a física, com a quimérica esperança de ir mais longe na mesma direção?”

– Bergson, A Evolução Criadora

Neste sentido, podemos dizer que a Filosofia e a Física seguem em direções opostas (com a expectativa de um dia se encontrarem). O que, para a Física, é seu mais precioso objeto de conhecimento, a matéria, para a metafísica é algo inerte e inútil. E aquilo que a Física degradou em quantidades iguais, o tempo, Bergson retoma como intensidade: Duração. O pensador francês não é um discípulo de Platão, sua filosofia segue um caminho distinto: por trás do fixo existe a mudança, apenas a mudança é que é.

No fundo da filosofia antiga jaz necessariamente este postulado: há mais no imóvel que no movente, e, por via de diminuição e de atenuação, passa-se da imutabilidade ao devir”

– Bergson, A Evolução Criadora

Há devir! Fato! Precisamos partir daí. Mas a filosofia antiga já começa estranha. Há devir e há o imutável, Heráclito e Parmênides. O que faz Platão? Age como um filho que quer agradar ao mesmo tempo papai e mamãe, gregos e troianos, com opiniões opostas. Mas Platão também tem suas preferências e pende para um lado: a imobilidade: “O tempo é a imagem móvel da eternidade”, uma busca por completude, uma vontade de se tornar imóvel, perfeito. Parmênides ganhou, todos olhamos para o mundo como inferior às ideias, o mais lento é melhor.

Degradem as ideias imutáveis: obterão, assim fazendo, o fluxo perpétuo das coisas”

– Bergson, A Evolução Criadora

A filosofia se degenera quando o eterno e o imóvel se sobrepõem à ideia de fluxo e mobilidade. Como se as ideias imutáveis se tornassem menos dignas quando se encarnassem no fluxo perpétuo das coisas. É aqui que nos perdemos! Bergson propõem exatamente o contrário: o imutável é menor que a realidade! A ideia é apenas um aparte, um corte, um ponto, uma seleção que nos interessa e nos pode ser útil, mas o fluxo constante da existência sempre será maior que nossas pretensas ideias artificiais.

Dizíamos que há mais num movimento que nas posições sucessivas atribuídas ao móvel, mais num devir que nas formas atravessadas sucessivamente, mais na evolução da forma que as formas realizadas uma depois da outra”

– Bergson, A Evolução Criadora

Aqui a direção está dada! Queremos deixar as ideias imóveis para trás e voltar a habitar os fluxos, parar de sonhar com imagens perpétuas e encontrar o pensamento naquilo que se move, que não encontra descanso, não para. A filosofia quer fazer o pensamento voltar-se para este mundo.

O que é pensar? Pensar não é comunicação, não é notícia de jornal, pensar não é a expressão, não é discussão de Facebook, e pensar não é a conversação, happy-hour no bar com cerveja gelada. Então como poderíamos começar a pensar? Talvez o melhor começo seja hesitar, desconfiar do que nos dizem hoje mas que apenas nos faz reagir maquinalmente. Talvez o maior obstáculo hoje ao pensamento seja o excesso de ruido, de comunicação, a saturação total do ambiente. Os turbilhões de bits e bytes nos impedem de pensar! A comunicação infinita, o dados coletados e passados adiante diminuem o pensamento.

Este modo de vida leva o ser humano a não olhar e questionar a maneira com que ele dispõe de sua própria vida. Ele se esquece de si mesmo. A vida está organizada de tal modo a impedir o máximo possível que a menor fagulha de reflexão escape. Bergson diria que pensar é raro e é difícil, não porque é complexo, mas porque desloca os nossos confortos e nos obriga a encarar aquilo que nos incomoda. Nós pensamos sempre contra nós!

Bergson quer que a filosofia volte a ser perigosa, ela não deve procurar pelas ideias platônicas, não pode imitar o discurso científico, e não serve para submeter-se às exigências do cotidiano. A filosofia é extemporânea, insubmissa, não lhe cabe perder-se nas urgência da modernidade, ela se arruína tentando seguir este caminho. A filosofia não nasceu para servir à inteligência, não nasceu para servir ao status quo. Muito pelo contrário! Ela quer levar o pensamento além, um passo adiante, para dentro do abismo, onde ela não sabe o que vai acontecer!

Através da filosofia, nossas capacidades intuitivas são novamentes postas em circulação. A filosofia coloca alguma coisa no mundo, algo de novo, algo de imprevisível. Pensar é encarar o desconhecido. Por isso a razão, o intelecto, nunca dará conta da filosofia, pois a limita. O intelecto é o primo educado da intuição, e a consciência será sempre menor que o pensamento, pois o pensamento é aquilo que está para além da representação, ainda não existe, está em vias de, está se criando, constantemente.

A filosofia deveria ser um esforço para superar a condição humana”

– Bergson, O Pensamento e o Movente

O que é a Filosofia? É a necessidade que temos de ir além de nós mesmos. Depois de nos distanciarmos da física e depois de nos desvencilharmos da imobilidade podemos responder claramente: A Filosofia é ato de pensar que nos faz entrar em devir! Filosofia é o pensamento que cria devires! Para realizar esta tarefa ela precisa voltar para o campo da intuição e da duração e reencontrar seus fluxos de pensamento e criação! Apenas desta maneira é possível filosofar, cortando as amarras que nos impedem de ir mais longe.

Há algo de indomável na Filosofia, por isso que ela nunca deixará de existir, porque o pensamento é perigoso, o pensamento é um ato de criação, o pensamento nos transforma no que ainda não sabemos. Bergson retoma a metafísica, mas uma metafísica imanente, que não mais parte para outros mundo para encontrar suas respostas. A metafísica é o que está para além da física, o que cabe apenas ao nosso campo de saber.

O que importa verdadeiramente para a filosofia é saber que unidade, que multiplicidade, que realidade superior ao um e ao múltiplo abstratos é a unidade múltipla da pessoa”

– Bergson, O Pensamento e o Movente

Isso é Filosofia! Sair do mecanicismo autônomo, rápido, irrefletido, para entrar no questionamento. Recolocar problemas que são nossos e não dos outros. Tornar-se ativo no ato do pensamento para não responder às demandas do exterior sem questioná-las. A maldição de nosso tempo é tudo ser tão rápido e instantâneo que não nos sentimos confortáveis em dar um passo para trás, hesitar e se perguntar: será que é isso que eu quero?

O pensamento é a matéria da Filosofia, como abertura para um mundo que não está terminado, mas sempre se fazendo e se criando. A Filosofia é a subversão do pensamento, que cria assim novos modos de vida. Não existe pensar sem que este nos mova de nossa zona de conforto e force a nos transformarmos. Todo filósofo, quando bem filosofa, é um subversivo, assume riscos, torna-se um inadequado.

Texto da Série:

O que é Filosofia?

Rafael Trindade

Autor Rafael Trindade

Quero fazer da vida o ofício de esculpir a mim mesmo, traçando um mapa de afetos possíveis.

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Hudson Filho
9 anos atrás

que bom conhecer algo a mais sobre esse grande filósofo, e um tanto quanto esquecido. por sincronicidade veio em boa hora, pois no meu tcc de pós graduação vou utilizar ideias de Bergson. Obrigado.

Rubens
Rubens
7 anos atrás

O Razão Inadequada vem se tornando importante recurso para o acesso aos maiores pensadores da história da humanidade
Parabéns a equipe por mais essa e ao mestre Amauri

Acredito que vcs poderiam explorar mais a relação entre Bergson e Espinosa

Grande Abraço