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Foucault nos ensina a viver uma vida não-fascista, mas parece que não importa o lado, para onde quer que olhemos encontramos paranoias totalitárias e totalizantes. Há aqui sempre um fechamento do mundo, onde nada pode escapar. Todas as peças devem se encaixar, como num quebra-cabeça. Estamos aqui no Polo paranoico! Quando nada poder estar fora do lugar, onde não há espaço para qualquer movimento espontâneo, inesperado, onde não há espaço para o novo. O intelectual paranoico compreendeu, tudo está dado, podemos apenas sentar e esperar a revolução chegar.

O lado do devoto político procura por estratégias para submeter a vida, porque tudo o assusta, tudo o ameaça, ele tem medo. Mas, dirá Foucault, é preciso combater na imanência! O filósofo francês não era um sonhador e não estava esperando uma revolução chegar, não esperava uma conjuntura política favorável, seu objetivo era criar o novo no presente, em toda e qualquer relação.

Aqui a ligação entre biopolítica e fascismo precisa estar clara. Esta é a lição de Foucault: a própria vida foi investida pelo poder, foi conduzida passa a passo para a mais completa disciplinarização. Como o nazismo, por exemplo, que foi a mobilização máxima do estado sobre os corpos, transformado o país inteiro em uma máquina de destruição. O mesmo com o stalinismo onde toda a sociedade foi burocratizada e transformada em um aparelho unificador e paranoico. Nada entra e nada sai sem o carimbo do estado.

Mas afinal, o que seria uma vida fascista, paranoica e totalizante? A busca pelo uno, pelo fechamento, pelo previsível. Já do lado de Deleuze, Guattari e Foucault, sempre alguma coisa escapa, o conjunto nunca se fecha (N-1), sempre haverá espaço para que uma criação imprevisível aconteça, para o que eles chamavam de acontecimento. Há aí uma busca por derreter todas as nossas partes cristalizadas, o que elas nos impedem de fazer? Muitas das adversidades que estão em nosso caminho… somos nós mesmos. Nem que seja a obsessão pelo emprego perfeito, a família perfeita. Nossa parte mais dura, mais cristalizada, mais assustada, é ela que é um fechamento para novos fluxos.

Se para pensar precisamos sempre nos remeter a uma teoria, um autor, um ídolo, então estamos presos. O que mais vemos por aí é o intelectual vestido de pastor, com palavras doces que nos seduzem e convidam a habitar um todo unitário! Precisamos aqui lembrar dos três inimigos do prefácio: psicanalistas presos à Freud, marxistas presos a Marx, neoliberais escravos de Mises. Já Foucault quer criar na diferença, virando o rosto para antigos pensadores que nos impedem de pensar por nós mesmos.

Sonho com um intelectual destruidor das evidências e universalidades, que localiza e indica nas inércias e coações do presente os pontos fracos, as brechas, as linhas de força; que sem cessar se desloca, não sabe exatamente onde estará ou o que pensará amanhã, por estar muito atento ao presente”

– Foucault, Micro-Física do Poder

Quebrar com as paranoias totalitárias e totalizantes é tornar-se um intelectual que não sabe o que pensará amanhã, porque a vida é um jogo aberto! Não queremos produzir sínteses e conceitos abstratos. É preciso romper com as linearidades, a vida não segue uma linha reta. É preciso desfazer os fios que ligam as verdades estabelecidas e mostrar como o presente não se faz de uma continuidade histórica. Precisamos procurar um modo de vida que resista ao Uno! Uma criatividade imanente!

O fascismo é exatamente este tipo de ressentimento! Por isso ele nos impede de pensar e de criar, nos faz depender sempre de uma imagem, um outro pensamento para emitir alguma opinião, é fácil nos perdermos no meio disso. Foucault, juntamente com Deleuze e Guattari nos ensina uma ética do desprendimento, dos excessos! Ética da insularidade e não da lei universal!

O poder não vem de cima, ele está na própria trama da sociedade, da maneira mais discreta possível, mas que nos aperta e constrange. Precisamos nos tornar prestidigitadores, aprender a escapar destas cordas como num passe de mágica. Mas a mágica não está em outro mundo ou em poderes sobrenaturais, ela está necessariamente em aprender a encontrar as brechas da existência e seus pontos fracos. Onde a realidade perde seu equilíbrio? Onde estão os pontos cegos do sistema?

Quem pensa demais, muitas vezes se angustia, se sente perdido, se sente sufocado. Ok, sabemos disso, já estivemos lá! Mas o pensamento vence a rebentação e encontra um mar aberto à sua frente! Ha uma vontade muito grande de viver na diferença, e ela não se deixa prender pela paranoia unitária e totalitária. Não, a diferença se tornou nossa própria base de apoio, nos apoiamos nela para seguir adiante, é como se ela fosse o cerne de tudo! Não esperamos a revolução, mas procuramos um devir-revolucionário. Procuramos por um jeito transgressivo de estar no mundo! Isso envolve liberar a política de toda forma de conformismo e fechamento.

Texto da Série:

Vida Não-Fascista

Rafael Trindade

Autor Rafael Trindade

Quero fazer da vida o ofício de esculpir a mim mesmo, traçando um mapa de afetos possíveis.

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3 Comentários
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Wallace Alves
6 anos atrás

Não há dúvidas de que criar subterfúgios para as formas de controle seja a verdadeira Revolução a ser feita.Precisamos,com isso,elaborar uma diretriz anárquica.Ou seja,o olhar o mundo a partir de nós mesmos.

ANA MARIA correa da rocha
ANA MARIA correa da rocha
5 anos atrás

Salvando o blog para quem sabe salvar a vida.

Lucas Gimenez
Lucas Gimenez
2 anos atrás

seus podcasts e textos têm me feito pensar bastantee, muito obrigado!.
O que voces querem dizer com fechamentos no final do texto ?