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A TAZ não tem modelo, porque não há um molde a ser seguido, não é uma ideia brilhando no céu a qual devemos prestar continência e seguir seus passos. Sua possibilidade de criação está em, primeiramente, desviar o olhar, como ensinou Nietzsche. Virar a cara para o que está estabelecido e nos constrange, seguindo assim outros caminhos. Algo se desprende, uma linha de fuga faz um mundo fugir. Tudo bem, não tem problema, ele era caquético, senil e gagá mesmo. A família, por exemplo, nosso modelo maior de socialização. Para onde quer que se olhe encontramos o pai e a mãe. Pode ser no chefe, no policial, na enfermeira, na cozinheira. O modelo familista é uma barreira para a autonomia. O bando nômade pode ser melhor.

Estamos à procura de ‘espaços’ (geográficos, sociais, culturais, imaginários) com potencial de florescer como zonas autônomas – dos momentos em que estejam relativamente abertos, seja por negligência do Estado ou pelo fato de terem passado despercebidos pelos cartógrafos, ou por qualquer razão. A psicotopologia é a arte de submergir em busca de potenciais TAZs”

– Hakim Bey, Zona Autônoma Temporária

É preciso o olho treinado para encontrar um Zona que se mostre suficientemente autônomo ou com potenciais autônomos, que precisam apenas ser catalisados ou reforçados. Sim, este é nosso primeiro objetivo, com o temporário nós lidaremos depois.

A internet é um bom exemplo, inicialmente uma zona de autonomia, onde milhares de fluxos circulavam livremente, pouco a pouco a internet foi colonizada, os fluxos foram canalizados, controlados, a espontaneidade se perdeu. Agora, quando surfamos na web, somos automaticamente bombardeados por propagandas e pop-ups direcionados. Enfim, é um caldo atrás do outro. Mas eis que, dentro da própria internet de superfície, onde nenhum fluxo escapa, surge a deep-web, onde todo tipo de coisa acontece. Das mais banais às mais horríveis. Piratas navegando mares, longe da civilização.

Mas pode isso? O que é este afastamento da sociedade como a conhecemos? Aí está a questão… não podemos definir, não é preciso saber exatamente o que queremos, sabemos apenas o que não queremos, o resto é criação! A TAZ está para além do bem e do mal. Por isso a questão da autonomia. Quando o predador sai para caçar ele não tem em mente exatamente a presa que será abatida, sabe apenas que não quer passar fome. Quando o prédio está em chamas, não sabemos para onde vamos, mas precisamos sair correndo do edifício. O mesmo vale para a TAZ.

Não queremos definir a TAZ ou elaborar dogmas sobre como ela deve ser criada. O nosso argumento é que ela deve ser criada, será criada e está sendo criada”

– Hakim Bey, Zona Autônoma Temporária

– Afro Basaldella

A única prerrogativa até agora são: um espaço (de qualquer tipo), e autonomia! Por isso é necessário uma certa capacidade de suportar a frustração e a ansiedade, sair da zona de conforto. Um dos principais afetos que circulam para a criação da TAZ é o desamparo, mas um desamparo seguro, cheio de gana, vontade de criar! A TAZ é fruto do desejo! Ela deixa para trás um terreno devastado pela hierarquia e submissão. Sabemos que não queremos voltar. E sabemos também que para além de qualquer definição ou ânsia por diretrizes ela será criada, independente de nós, é só olhar em volta e a encontraremos em todas as partes, escondidas, mas possíveis.

A TAZ não é uma fuga para outro mundo, ela quer viver neste mundo, com certeza, mas com o mínimo de mediações possíveis, com o máximo de realidade! Eis o objetivo de uma Zona Autônoma Temporária: quanto de realidade somos capazes? Essa vida só é possível distanciando-se das zonas de poder, onde todas as nossas sensações já está comprometidas de antemão, onde só é permitido aquilo que nos permitem.

Autonomia é o princípio da Potência contra o princípio do Poder (veja aqui). Se de um lado temos leis eternas e imutáveis, uma moral que a tudo constrange e limita, na TAZ procuramos princípios que se regulem na própria relação, horizontalidade, hospitalidade, aberturas. Aqui é onde mais se encontra o termo Anarquia: arte de não querer ser governado, “nem Deus, nem mestre” e nós complementaríamos: “nem porra nenhuma de autoridade“!

Por uma característica de sua própria natureza, a TAZ faz uso de qualquer meio disponível para concretizar-se – pode ganhar vida tanto numa caverna quanto numa cidade espacial – mas, acima de tudo, ela vai viver, agora, ou o quanto antes, sob qualquer forma, seja ela suspeita ou desorganizada. Espontaneamente, sem preocupar-se com ideologias ou anti-ideologias”

– Hakim Bey, Zona Autônoma Temporária

Nega-se a lutar, derrubar algo, enfrentar um Golias, um Leviatã, um exército. Não há mais contra o que lutar fisicamente, corporalmente. Aliás, é impossível ganhar! Não adianta matarmos o presidente, as coisas não vão mudar. Quebrar um vidro de banco… não dará em nada. A sociedade virou um simulacro, cheio de fantasmas, uma sociedade de espetáculo e simulação. Atiramos e bombardeamos imagens, que reaparecem como fantasmas! Tudo é um grande teatro onde os atores podem ser facilmente substituídos por outros prontamente.

A TAZ não existe apenas além do controle, mas também além da definição, além do olhar da nomenclatura como atos de escravização, além da possibilidade de compreensão do Estado, além da capacidade perceptiva do Estado”

– Hakim Bey, Zona Autônoma Temporária

O poder não é onipotente! A potência é onipotente! Por isso a convocação para se viver agora, sem esperar por uma revolução ou o partido de esquerda X ser eleito. A vida vivida é mais que a vida sobrevivida. A vida autônoma é maior que a vida submetida, subordinada. Sempre haverá espaço, pois o espaço é criado o tempo todo! Sempre haverá autonomia, pois este é um meio de relacionar-se.

Fazer da vida uma festa! Sério? Mas como? Isso não é absurdo do ponto de vista da sistematização e da teorização? Não! A vida como uma festa pode ser totalmente prática e coerente. A Autonomia é um jantar: os convidados se servem do quanto acham necessário, conversam sobre os assuntos que os interessa, repetem se ainda estiverem com fome. Mas pode ser mais, uma festa, onde grupos de conversa se formam por afinidades, se mantém pelo tempo necessários, se dissolvem para formarem outros. Mas pode ser mais, um carnaval de rua onde canta quem tem vontade, beija quem quer beijar, vomita quem tiver que vomitar e ajuda quem quiser ajudar. Mover-se por afinidades, mover-se pelo fluxo dos encontros. Como uma festa funciona? Algumas regras gerais podem ser definidas, mas os equilíbrios e desequilíbrios aparecem e se resolvem dentro da própria situação. A vida exige uma certa dose de confiança neste ponto.

A essência da festa: cara a cara, um grupo de seres humanos coloca seus esforços em sinergia para realizar desejos mútuos, seja por boa comida e alegria, por dança, conversa, pelas artes da vida. Talvez até por prazer erótico ou para criar uma obrade arte comunal, ou para alcançar o arroubamento do êxtase. Em suma, uma ‘união de únicos’ (como coloca Stirner), em sua forma mais simples, ou então nos termos de Kropotkin, um básico impulso biológico de ‘ajuda mútua'”

– Hakim Bey, Zona Autônoma Temporária

Claro que não se vive de festa, não é um ôba-ôba onde pode qualquer coisa! Estamos falando da horizontalidade, liberdade, alternativas, espontaneidade, criação. Uma máquina de guerra que não se rende, não quer viver da maneira como a maioria vive, e finge ser feliz. Nossa autonomia é compreender que nada está acima das relações de criação e potência que se estabelecem e mais valem as durezas da vida verdadeira do que a felicidade de plástico vendida nos intervalos comerciais.

Contra um modo de vida servil, nós propomos um modelo fundado na amizade! Contra um modelo de autoridade nós sugerimos a camaradagem. Entre parasitismo e ajuda mútua, a escolha é fácil, não? Uma autonomia possível dentro de uma Zona escavada no seio do caos. O difícil e fazê-la durar…

Texto da Série:

TAZ – Zona Autônoma Temporária

Rafael Trindade

Autor Rafael Trindade

Quero fazer da vida o ofício de esculpir a mim mesmo, traçando um mapa de afetos possíveis.

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