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Aqueles que não podem viver sem constantemente planejar novas e terríveis rebeliões! Quero estar entre eles!”

– Hakim Bey, Zona Autônoma Temporária

Ah, o doce cheiro do gás lacrimogêneo! Eles deixam claro o poder do Estado sobre nós, mas ao mesmo tempo ocultam as possibilidades que existem para além da cortina de fumaça. Queremos algo assim, escondido pelo cinza de uma civilização morta! O princípio da TAZ é uma Zona, qualquer que seja, uma prerrogativa, a autonomia, e uma certeza: seu fim. Embaixo do concreto está a praia, mas ela será engolida pelo mar, mais cedo ou mais tarde.

Se a duração de uma Zona Autônoma é sempre limitada, por que tudo isso? Por que tanto barulho por nada? Ora, precisamos ir aqui além das aparências! O que se cria são sempre estas linhas de fuga que escapam! Mas elas nunca se saciam, querem sempre ir um passo além, todo repouso é um juntar de forças para ir adiante. Queremos apenas que ela dure tempo o bastante para se propagar. O que dura é a potência de criação contínua de novas Zonas Autônomas Temporárias.

Afinal, por que nos importamos tanto com a questão da destruição do poder? Não deveríamos concentrar nossos esforços em outra coisa que não a ‘destruição do estado burguês’? A pergunta aqui é: devemos enfrentar ou desviar? A destruição é a nossa própria destruição, uma fuga ativa para outras possibilidades de vida. Criação de Zonas, constituição de autonomias, mas tudo com princípio, meio e fim.

Estamos mais preocupados com as revoluções possíveis, diárias: micro-revoluções. Afinal, mesmo se a revolução vier, a vida cotidiana nunca terá fim. Revolucionar a vida cotidiana, somos capazes? Todos os dias o sol nasce e se põe, toda revolução tem seus dias contados. Devemos desanimar? Não, o crepúsculo e a aurora são condições um do outro.

É o problema da temporalidade. Partimos de um anarquismo ontológico! Nada está acima e nada merece ser colocado no panteão da eternidade. Ora, nada? Pois é, parece que isso vale para nós. As coisas durarão o quanto tiverem que durar. A morte chegará, é inevitável, mas ela virá de fora, nossa força resistirá o quanto for possível. Hakim Bey é um discípulo de Heráclito: tudo flui, inclusive as zonas autônomas, elas são temporárias. Não se entra duas vezes em uma mesma TAZ, pois nós já não somos os mesmos e a Zona Autônoma não estará lá quando voltarmos.

O Fogo consome tudo! O levante é uma agressão aos caminhos que a história percorre! Ela cria uma anomalia, como se algo saísse do lugar nos planos divinos. Toda TAZ é um coringa no baralho da história. A revolução sempre coloca a conclusão no futuro, a TAZ é um fim em si mesma. O que dura não são os espaços temporários, mas a sede por liberdade. A consistência não está na duração, mas na força com que cria constantemente estas zonas de autonomia. O território é apenas uma zona de passagem, ele não pode ser como a areia movediça que nos pega pelo pé e puxa até nos sufocar.

A história sufoca, a TAZ permite respirar! A História está ansiosa pelo fim, a TAZ quer viver! Todo levante foge ao tempo, toda insurreição é eterna. Por isso ela se encontra sempre do lado de fora da teleologia e da teologia. Profanar o progresso! Sempre à margem! Não se deixando ser engolida! Suas conexões intensas seguem em todas as direções ao mesmo tempo! Somos selvagens cibernéticos! Somos primatas futuristas! Nossas ferramentas são tacapes e Iphones. Queremos seguir adiante, mas não na direção que nos apontaram!

A TAZ pressupõe um certo tipo de ferocidade, uma evolução da domesticalidade para a selvageria, um ‘retorno’, e ao mesmo tempo um passo adiante. Ela também demanda uma ‘ioga’ do caos, um projeto de ordens ‘mais elevadas’ (de consciência ou, simplesmente, de vida) das quais uma pessoa se aproxima ‘surfando a crista da onda do caos'”

– Hakim Bey, Zona Autônoma Temporária

Razão e emoção gritam em nossos ouvidos: queremos ser livres! Qual a chance? Qual a probabilidade? Não sabemos, mas não queremos esperar (não se sabe para onde vai quando se sai de uma casa em chamas). Qual nosso objetivo? A criação imediata do máximo possível de Zonas Autônomas Temporárias.

A razão diz que o indivíduo não pode lutar por aquilo que não conhece. E o coração revolta-se diante de um universo tão cruel a ponto de cometer tais injustiças justamente com a nossa, dentre todas as gerações da humanidade”

– Hakim Bey, Zona Autoônoma Temporária

Queremos, através de uma tática ninja, nos desfazer das identidades por meio dos devires! Tornarmo-nos desapegados de nosso próprio rosto, de sua frágil identidade Como? Tornando-se imperceptível, indiscernível, impessoal! Uma bomba de fumaça e quando o gás se dissipa já não estamos mais lá! A TAZ é uma tática de subterfúgio, uma habilidade de desaparecer, porque em nossos tempos a visibilidade é uma armadilha! Encontrar espaços abertos que possam ser usados como espaços de rebelião, guerrilha, fora da possibilidade de esmagamento do Estado.

Absolutamente nada, além de um martírio inútil, poderia resultar de um confronto direto com o Estado terminal esta megacorporação/Estado de informações, o império do Espetáculo e da Simulação. Todos os seus revólveres estão apontados para nós”

– Hakim Bey, Zona Autônoma Temporária

Neste ponto percebemos que a positividade do real está aí, bem na nossa cara! A autonomia é a recusa de um modo de vida, a temporalidade é a afirmação de um modo de vida. A TAZ é a união de devires-revolucionários! Espaços de criação da diferença! Associações de bons-encontros! Do Micro ao Macro!

– Afro Basaldella

A recusa da política consiste no simples ato de não votar, sim, simples. Mas a recusa é a criação de uma Zona Autônoma Temporária, o que fazemos com isso? Criamos relações horizontais, coletivas, grupais, associativas! A recusa do trabalho pode se dar pela mais simples vadiagem e “fazer corpo mole“. Mas pode consistir também na criação de cooperativas, parcerias novas, passando pela sabotagens até chegar em uma grande greve geral, ou na tomada da fábrica. Toda moeda tem dois lados, uma de recusa mas uma de afirmação.

A recusa de um lar e da propriedade privada pode ser a recusa em pagar o aluguel, ou simplesmente morar na rua. Mas pode ser também a existência dos andarilhos, ou a formação de repúblicas e até mesmo movimentos de ocupação! Todo sim carrega um não, toda negação de um modo de vida implica na criação de outros. Mesmo que provisórios, mesmo que efêmeros.

Um microgesto como pular a catraca traz consigo toda uma política de crítica da mercantilização dos transportes e direito à cidade. Não seria a própria clínica uma Zona Autônoma Temporária? Zona porque cria um espaço de exceção, autônoma quando não encontra na figura do psicólogo uma autoridade e temporária porque seu próprio efeito não é feito para sustentar o espaço clínico.

Seria o terceiro momento do ritornelo, pois sabemos que as zonas autônomas não são feitas para durar! A TAZ é feita de recomeços, como qualquer outra coisa na vida, no devir. Um andarilho sempre chega em uma cidade, uma ocupação sempre encontra uma reintegração de posse. Mas se a micropolítica começa com um pequeno passo para trás, uma desobediência civil aqui e ali, ela termina com a possibilidade de realizar novas alianças, mesmo que incertas, passageiras.

Tudo bem, há energia o bastante para fazer e se refazer, para parar e seguir adiante. Somos pássaros audazes que pousam no mastro apenas para reunir energias e voar novamente. Sabemos que outros nos acompanharão nesta viagem, sabemos que os laços que nos prendem não são correntes. Viver uma Zona Autônoma Temporária faz parte do nosso modo de vida, uma Ética da Doçura onde só se fica e só se vai pela potência que brota dos encontros.

Um topo de hedonismo espiritual, um verdadeiro Percurso do prazer, a visão de uma vida que é boa e ao mesmo tempo nobre e possível, enraizada na sensação da magnificente super-abundância da realidade”

– Hakim Bey, Zona Autônoma Temporária

Os espaços nascem, crescem na autonomia, e morrem na temporalidade. Um ponto é fixado, uma maneira de viver se constitui, mas a própria potência da vida nos leva adiante, nos faz ir além. Para onde? Óbvio que não sabemos, nossos barcos seguem pelo mar aberto, como piratas como mapas marcando “X” em um ponto longínquo. Quem sabe que aventuras nos aguardam, que tesouros estão escondidos? Sentimos o vento em nossos rostos, é sempre hora de zarpar. Ainda não navegamos o bastante…

A TAZ é uma arte de viver em contínua elevação, selvagem, mas gentil – um sedutor, não um estuprador, mais um contrabandista do que um pirata sanguinário, um dançarino e não um escatológico”

– Hakim Bey, Zona Autônoma Temporária

Texto da Série:

TAZ – Zona Autônoma Temporária

Rafael Trindade

Autor Rafael Trindade

Quero fazer da vida o ofício de esculpir a mim mesmo, traçando um mapa de afetos possíveis.

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