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Se estamos dispostos a viver, e queremos fazer isso da melhor maneira possível, onde a vida se torne preferível à morte, uma hora ou outra encontraremos as pessoas do mundo. Como proceder neste momento? Se queremos sobreviver em nossas aventuras pelo mundo afora, então é imprescindível levar consigo uma boa dose de prudência e tolerância. A primeira será essencial para nos proteger das perdas; a segunda, das disputas desnecessárias.

É importante lembrar aqui de não sermos conduzidos por nossas ilusões: raramente as pessoas mudam, e se o fazem, nem sempre é para a melhor. Ou seja, é necessário uma boa dose de tolerância, indulgência, compreensão, para perdoar e relevar as atitudes estúpidas dos outros, afinal, como diz o bom livro, “eles não sabem o que fazem”. Lição de vida: devemos aceitar os outros como eles são, deixando cada um existir como é… viver e deixar viver… mantendo o máximo de distância possível dos indesejados e intoleráveis. Há espaço para todos, inclusive para os idiotas, mas que ao menos seja longe de nós.

Os espíritos verdadeiramente eminentes fazem o seu ninho nas alturas, como águias, solitários”

– Schopenhauer, Aforismos para a Sabedoria de Vida, p. 201

As pessoas ordinárias, aquelas comuns, diz Schopenhauer, são as que encontram companhia com mais facilidade, se misturam sem problemas, porque tudo neles é raso e superficial. Como nada neles é singular, eles se encontram facilmente uns com os outros. Os limitados procuram sempre o mesmo, com o que se identificam prontamente e sossegam. Caso tudo dê errado, sempre podem recorrer a bebidas alcoólicas que o coloquem num bom estado de espírito. Já os gênios procuram o diferente, algo que desafie e estimule sua capacidade intelectual.

As naturezas homogêneas são pobres, seu timbre é modesto, apagado, convergem para um tom monótono de conversa e dificilmente passam do “o tempo está estranho hoje, né?”. Já naturezas heterogêneas se encontram com raridade, e procuram aquilo que enriqueça sua mente, leve adiante sua capacidade de pensar. Os assuntos podem variar mas prezam sempre pela profundidade, novas perspectivas e, coisa difícil hoje, pelo gosto de ouvir o que o outro tem a dizer.

Mas na conduta para com os outros é sempre bom lembrar: ninguém pode ver mais do que é em si mesmo. Por isso o vulgar vulgariza tudo, não consegue ver as profundezas do intelecto do gênio. Por isso a pessoa comum força o gênio a descer até seu nível, curvar-se, porque o contrário simplesmente é impossível. Esta situação, diz Schopenhauer, deve ser evitada.

Muitos só se sentem vivos se são capazes de incomodar alguém, tirar-lhe do sério. Schopenhauer tinha ódio e desprezo por aqueles que não conseguiam ouvir uma boa conversa ou simplesmente ficar sentado em seu lugar, precisavam logo começar a batucar em alguma coisa ou fazer alguma observação desnecessária, só para serem notados. Estas pessoas são tão incapazes de compreender o mundo que as rodeia, as diferentes perspectivas, que nada lhes interessa além de si próprias.

Cuidado, diz o filósofo alemão, são estas que se ofendem com mais facilidade! Porque tudo o que dizem remete diretamente a elas mesmas, sempre levam tudo para o pessoal. Pobres coitadas, seu intelecto limitado é colocado totalmente a serviço de seu pequeno e frágil ego. A astrologia é grande prova disso! O curso de grandes corpos celestes estabelece íntima relação com as próprias tolices e frivolidades terrenas. Precisamos tomar distâncias destas idiotices que são ditas em público. Mesmo que saibamos o quanto são fúteis, mesmo que saibamos a verdade, ela demora tempo demais para entrar nessas cabeças ocas.

Por isso é necessário sublinhar: a conduta para com os outros exige precaução e tolerância! Mas cuidado, tudo tem limites! Amabilidade demais pode nos colocar em situações desagradáveis, tornando as pessoas mal-acostumadas e dependentes. Nestes casos, uma postura distante é mais adequada e aconselhável, para que os favores não se tornem lentamente em obrigações. A polidez é sempre o melhor caminho. A educação permite aproximar aqueles que queremos e afastar aqueles que não estamos interessados.

Nesta empreitada, viver em sociedade se torna o simples ato de evitar pessoas desagradáveis e encontrar pessoas agradáveis com quem podemos ter uma convivência suportável e, coisa rara, edificante. Carregamos a nós mesmos durante o percurso, com nossos próprios defeitos e qualidades. Por este motivo, o trabalho deve ser feito muito mais sobre nosso próprio caráter que o caráter alheio. Convivemos com os outros, cultivamos a nós mesmos.

Sendo assim. devemos criticar os outros apenas em nosso íntimo, com o objetivo de emendarmos a nós próprios. Ou seja, o outro nos serve de espelho, para ver o que não vemos em nós. Isso vale em qualquer campo da vida: não devemos tentar melhorar os outros e não devemos tomar a ninguém como modelo! As pessoas servem apenas para edificação própria. Também devemos evitar elogiar e criticar os outros, o primeiro por possivelmente cria uma sensação de superioridade e o segundo porque as pessoas se ofendem facilmente. Elogiar e criticar a nós próprios é proibido, porque permite a inveja ou prepotência.

Se uma discussão for necessária, é muito mais possível que termine bem caso as pessoas se mantenham calmas, pois a agitação dos ânimos e a fala apaixonada torna a opinião inflexível e teimosa. Se notarmos que alguém mente, podemos fingir acreditar até que a mentira seja lentamente desmontada e desmascarada. Ou, caso só se revela parcialmente, podemos fingir não acreditar para que mais seja revelado. Não se exaltar é uma regra.

Mas, no fim das contas, todos os sábios recomendam o silêncio como a grande virtude no trato com os outros. Afinal, aquele que não possui freios na língua é um tolo e de modo algum confiável. Querer convencer os outros com a emoção é inútil, com a razão, perda de tempo. Manter o silêncio e a tranquilidade, agindo com polidez e educação, evitando sempre o ódio e a cólera, pois estes são imprestáveis para alcançar qualquer fim, além de prejudicar nossa saúde. Para o sábio, é possível dizer praticamente qualquer coisa com um tom de voz moderado e calmo, não que isso leve a alguma coisa.

Outro fator importante a se considerar, no trato com o outro precisamos sempre ter em mente que circunstâncias iguais levarão muito provavelmente a atitudes igualmente semelhantes. Em realidade, o caráter das pessoas muda muito pouco ao longo de suas vidas. Por isso a necessidade de lembrar, de guardar memória dos acontecimentos passados, não esquecer. Neste mundo cada um utiliza as armas que possui à sua disposição: os selvagens carregam lanças e se devoram, esquecem no dia seguinte o que fizeram; os civilizados se contentam em enganar uns aos outros, mantendo cuidadosamente a lista de ofensas e mentiras.

Perdoar e esquecer equivale a jogar pela janela experiências adquiridas com muito custo”

– Schopenhauer, Aforismos para a Sabedoria de Vida, p. 212

Se o caráter praticamente não muda, não há grandes coisas que podemos esperar daqueles que se demonstraram desagradáveis e irritantes. A estas pessoas jamais devemos mostrar uma superioridade intelectual, pois nada as ofenderia mais. O conhecimento e a sabedoria são grandes ofensas para a maioria das pessoas e é melhor que seja escondida. Nada faz o tolo sentir-se mais ofendido, intimidado e inferiorizado do que um homem superior de espírito. Devemos apenas manter uma distância segura, para evitar discussões e desentendimentos supérfluos.

Ainda assim, por incrível que pareça, a amizade é possível! Ao nos encontrarmos com alguém valioso, igualmente rico de interesses e capacidade, é imprescindível ter esta pessoa por perto. A utilidade é mútua e os objetivos se convergem. A amizade verdadeira é rara, mas todos podem encontrá-la. Ainda assim, por mais sincera que seja, distância e ausência são capazes de destruí-la.

Se, por um lado, na conduta para com os outros, nunca podemos nos mostrar por inteiro, de outro, não devemos ser o que não somos: a linha é tênue! Em sociedade, somos como equilibristas na corda bamba. A independência completa é impossível, a dependência é escravidão. A grande máxima poderia ser: não amar nem odiar, pois, do outro, pouco podemos esperar. O sábio não quer perder-se de si mesmo, esta continua sendo a máxima fundamental. A serenidade que o tolo nos rouba, também nos compra a prudência necessária para não nos deixarmos levar da próxima vez. E o mundo segue, dando voltas em torno de si e do sol.

Texto da Série:

Sabedoria de Vida

Rafael Trindade

Autor Rafael Trindade

Quero fazer da vida o ofício de esculpir a mim mesmo, traçando um mapa de afetos possíveis.

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cauabenner6
cauabenner6
4 anos atrás

Foda pra caralho,trabalho bem feito!!!

Lincoln
Lincoln
4 anos atrás

Parabéns pelo seu trabalho, muito bom o seu texto e a capacidade de analisar Interpretar e contrapor pensamentos complexos como são os do grande Schopenhauer.

Paulo Vinicius
Paulo Vinicius
4 anos atrás

Excelente texto!

Hainadine
Hainadine
4 anos atrás

Excelente texto…sem palavras.

Rey José
Rey José
4 anos atrás

É um exercício duro, tudo que se relaciona com autoconhecimento, assim como postura perante o proximo, se relaciona com dor e prazer.