O que é uma escola de filosofia? Em termos gerais, podemos dizer que é um grupo de pessoas com afinidade intelectual e sob alguma espécie de liderança que se reúne regularmente para ouvir e falar de filosofia em um lugar determinado, muitas vezes com um vínculo de lealdade ao pensamento do fundador. Bom, ao longo da história da filosofia encontramos diversos exemplos, mas poucos ocupam um lugar de tamanho destaque como o jardim de Epicuro.
Aos 35 anos, após passar muitos anos viajando pela Costa Jônica, acompanhando o Mar Mediterrâneo, conhecendo diversos filósofos e expondo as suas ideias, Epicuro aceita o presente que lhe oferecem dois de seus discípulos: Leonteus de Lâmpsaco e Idomeneu compraram em Atenas uma casa circundada por um grande jardim. Ali Epicuro funda sua escola de filosofia, tal qual uma comunidade de amigos.
Atenas passa por um período difícil: a derrota na guerra do Peloponeso e o final da sua já moribunda democracia. Assim, o ideal de formação do homem político começava cada vez mais a perder o sentido. A Academia de Platão e o Liceu de Aristóteles já não atendiam bem às demandas daqueles que buscavam na filosofia um refúgio para os tempos sombrios.
Em termos gerais, a ética epicurista é uma busca pelos prazeres constantes e a vida tranquila. Para Epicuro, o filósofo não deve se ocupar demais com os assuntos da pólis, porque a política é um campo de infortúnios. É melhor recolher-se em um lugar seguro e encontrar o necessário amparo social entre os amigos. Haveria lugar melhor do que um jardim afastado do centro para praticar esse pensamento?
Pois bem, este foi o local prontamente acolhido por ele para transmitir seus ensinamentos. Então, o jardim abre-se – como um oásis no meio do deserto – a todos aqueles que se sentem perdidos, sofrendo dores da alma, angustiados com os rumos da cidade ou confusos com as mudanças no curso da história. Todos eram bem-vindos, não importando se homens ou mulheres, cidadãos ou escravos, jovens ou velhos, todos compartilhavam igualmente os ensinamentos de Epicuro.
Ao contrário de outras escolas, não havia pré-requisitos para ouvir o que Epicuro tinha a dizer. Bastava estar disposto a pensar sobre a natureza de maneira racional, questionar o pensamento mítico-religioso e conversar abertamente sobre os prazeres e as dores. Lá era desfeita a identidade cidadão-indivíduo e os sujeitos podiam se relacionar horizontalmente. O Jardim acolhia sem distinções a qualquer um que quisesse participar, aprender e encontrar a verdadeira felicidade.
Afastado da cidade e de seu funcionamento habitual, Epicuro cultivava uma forma de liberdade. Ali ele podia dedicar seu pensamento àquilo que lhe interessava principalmente: minimizar as dores e tornar constantes os prazeres. Uma boa casa lhe oferecia abrigo, o jardim lhe proporcionava boa comida e espaço para estar com os amigos. Percebemos assim que este jardim não é um lugar como outro qualquer. Nele aprendemos uma das mais valiosas lições do epicurismo: não é preciso muito para ser feliz.
Outra lição valiosa que aprendemos no jardim: o lugar onde vivemos influencia a maneira como pensamos. Determinados pensamentos não surgem sem locais apropriados e não adianta tentar pensar a despeito do ambiente, pois não há tal separação. O jardim se mostra em sua tranquilidade abundante: um local aberto onde pessoas diferentes circulam e desfrutam de prazeres simples como a alimentação, a conversa, o sol e a própria presença.
É curioso como foi imposta ao epicurismo a ideia de que eram filósofos que perseguiam o prazer sensual a qualquer custo. Os estoicos, em embate direto com os epicuristas, diziam que estes eram “gente dos prazeres do ventre”. Essa imagem nos faz imaginar um jardim das delícias, onde os prazeres eram vividos em segredo e de forma destemperada.
Ao contrário, o jardim era um lugar calmo, onde o filósofo colocava como objetivo primeiro a diminuição dos sofrimentos causados pelo medo e, segundo, a intensificação dos prazeres pela moderação destes. Para Epicuro, a vida feliz não contém excessos, pois um prazer intenso que não pode ser vivido com constância acaba tornando-se dor. Ou seja, o excesso desqualifica o gozo.
De substantivo comum, o jardim tornou-se pouco a pouco um nome próprio: filosofia do jardim. Algo como um jardim do Éden sem um deus punitivo acusando pecados. Uma comuna autogerida, um monastério ateu, uma sociedade alternativa, um bando de hippies antes do tempo? Não precisamos ir tão longe: simplesmente filósofos em busca de uma vida feliz e nada melhor do que um belo jardim para ajudar a encontrar a tranquilidade.
Podemos dizer que, para os epicuristas, a teoria encontra a prática numa espécie de jardinagem. É a metáfora perfeita para os objetivos desta filosofia: aprender a cultivar os prazeres. Uma anedota conta que os passantes diziam que ali no jardim havia um pensador que ensinava a ser feliz. Talvez essa fama se explique pelo fato de que ali, Epicuro conquistou uma vida doce, cuidando das ideias como se frutos e flores fossem.
Interessante. Eu não sabia que ele aceitava escravos. Fiquei surpresa.
Condiz bastante com várias linhas ideológicas minhas, amei esse site! Que um dia eu possa pôr isso em prática se Epicuro quiser!
amei a matéria escrita entendo pouco de filosofia mas amo estar envolvido parabéns pela criação.