Através dos estudos de Foucault, observamos que ao falar da loucura, ela foi deixada de fora. Ela permanece calada enquanto falamos em seu nome. O Réu não pode se pronunciar. Fazemos apenas uma fofoca da loucura e silenciamos em sua presença.
No fim das contas, o que vimos é que a loucura foi capturada. Suas forças foram engolidas pela razão, seu modo de funcionamento foi tomado, conquistado por outro.
A loucura é Dionísio que faz Platão tremer. A loucura é o movimento que resiste à dialética que tudo arrasta. Com Pinel e a psiquiatria, a loucura se tornou uma verdade menor, que deve ser abolida através de métodos de cura.
Tudo isso nos faz pensar que a loucura é como um estágio precoce da civilização, uma rebeldia dentro da totalidade ordenada. Afinal, só se torna louco aquele que abriga um conflito interno. E a saúde será organizar estes impulsos.
Por isso Foucault considera a Loucura como “Ausência de Obra”. Ela é o outro lado da sociedade, seu lado errante! A força centrífuga que desordena a força social centrípeta. Ela é a força anômala (sem nomos), o movimento do esquizo (rompimento/divisão), a potência de diferenciação (quebra da identidade). A loucura mostra que tudo aquilo que a civilização quer construir é falso, tem pés de barro.
A loucura é a negação da dialética, do progresso, da acumulação, da continuação. Ela é o questionamento de uma razão teleológica. Sim, e é exatamente por isso que Foucault se interessa pela loucura, por suas descontinuidades, suas possibilidades de pensar diferente.
Para dizer com os poetas, a loucura é um grande “Eu preferiria não”, é a recusa da obra, é a im-produção, é o processo de desacumulação.
‘Vem por aqui’ — dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: ‘vem por aqui!’
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali…Cântico Negro – José Régio
Negar qualquer forma de totalização, qualquer forma de totalidade, é a diferença que ganha autonomia, uma nova direção, uma aparência monstruosa. Se a loucura é a Clausura do Fora, ela também pode ser, pelo seu processo de recusa, um Fora da Clausura.
E aqui Foucault apela para a literatura, pois nosso discurso simplesmente não dispõe dos recursos necessários para expressar estas ideias. O Fora da Clausura que a loucura busca é uma nova maneira de pensar e de falar.
É uma tentativa de pensar na extremidade de nosso próprio saber, no limite que separa nosso saber e nossa ignorância. É um constante se perguntar: onde vai dar este caminho? Vou percorrê-lo para descobrir.
Poderíamos dizer: “A loucura existe porque a vida racional cotidiana não é o bastante. Há algo a mais, possibilidades a mais, caminhos que desconhecemos.”
Ou seja, aqui não nos preocupamos mais em definir “o que é a loucura”. Não conseguiríamos e nem é mais necessário! Queremos ir além do racional! E a poesia nos abre para a possibilidade de dizermos mais coisas, e assim não dizer o que está sendo dito.
Estuda-se o perigo da loucura para a sociedade, mas não se estuda os perigos da sociedade para a loucura! Ou seja, não se olha para esta abertura do pensamento, esta força que empurra para outro campo, para além do campo constituído pela razão!
Se a loucura psiquiátrica é efeito de poderes enunciativos, se ela é um fechamento, uma limitação do campo do possível, a arte e loucura filosófica nos abrem uma linha de fuga, uma abertura para novos modos de pensamento!
Agora entendemos porque trancar loucos com blasfemadores, libertinos, gastadores, vagabundos, adivinhos e etc. A loucura é sempre uma nova possibilidade de viver! Só a chamaremos de doença mental quando ela naufragar, ou quando ela for covardemente afundada por uma razão ditadora. Antes disso acontecer a chamaremos de diferença, de O Fora!
Em suma, depois deste longo trajeto podemos dizer que a loucura não possui um denominador comum! Ela é muitas coisas! E pode ser ainda mais, se a deixarmos seguir seus caminhos em paz. Enfim, se neste longo trajeto, não encontramos a loucura em si mesma, não tem problema, porque certamente vimos que nela havia mais do que pensávamos!
Muuuuito bom meeesmo! Parabéns pelo “lúcido” texto!!!