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Concebemos as coisas como atuais de duas maneiras: ou enquanto existem em relação com um tempo e um local determinados, ou enquanto estão contidas em Deus e se seguem da necessidade da natureza divina. “ – Espinosa, Ética V, prop 29, esc

As noções comuns são o caminho de Espinosa para compreender Deus. A comunhão com o divino, na filosofia do pensador holandês, se faz através do pensamento adequado, ou seja, das noções comuns.

Elas começam simples, muito simples, com um pensamento do tipo “por que as maçãs caem no chão?”, mas terminam com algo muito maior do que poderíamos esperar: elas são o caminho para compreender a mente de Deus, a própria maneira como Deus se expressa como natureza.

Vamos recapitular: A Substância infinita é composta de infinitos atributos; dos Atributos, nós conhecemos dois: Extensão e Pensamento. A Extensão se faz através de leis necessárias e eternas de causa e efeito, de movimento e repouso, etc. Já o Pensamento também é infinito e necessário e também segue suas próprias leis de concatenação e ordenação.

Bem vindos, nós somos uma pequena parte disso, nós somos modos, graus de potência finitos da Substância Infinita. Somos partes finita de um conjunto infinito em relação, o conjunto mediato dentro do atributo imediato. Ou seja, nos relacionamos segundo as leis dos Atributos. Faz sentido? Nós só vemos em partes, e somos mediados por algo maior que nós. Temos um corpo finito que se expressa no atributo extensão e temos uma mente finita que se expressa no atributo pensamento. E tudo isso faz parte de uma Substância infinitamente infinita.

Conclusão: nós somos expressos nos atributos. Isso é muito importante: Nós e Deus nos expressamos na mesma coisa! Deus como natureza naturante (expressão) e nós como natureza naturada (exprimidos). Mas o importante é que há uma intersecção, um ponto de encontro! Os atributos são o elo entre nós e Deus! Estamos ligados a Deus pelos atributos!

Isto é essencial para compreendermos o conceito de Noção Comum. É a ligação que existe entre a parte e o todo. Se pudermos apreender a maneira de se expressar dos atributos, então as noções comuns explicarão a nós e à substância.

Este é o caminho para a comunhão com Deus: sair dos modos, entrar nos atributos. As Noções Comuns encontram as propriedades que fazem a ligação entre as partes com o todo. A multiplicidade encontra aquilo que as une.

Aqui voltamos do lento processo de subida iniciado com as pequenas alegrias entre as partes, mas que agora, chegando ao topo, no cume da razão, encontra algo maior. Chegamos aqui nas Leis necessárias de expressão de cada atributo, e era exatamente aqui que a Razão queria chegar desde o começo, ela queria ir o mais alto possível e encontrar a substância una.

Ou seja, os atributos são a nossa ligação com a Substância, eles nos permitem acessar Deus, sim, permitem pensar o que Deus está pensando. Em outras palavras, é possível compreender a maneira de Deus se expressar tanto no atributo extensão quanto no atributo pensamento. Parece ousado, ainda mais no tempo de Espinosa, mas não é, estamos apenas dizendo que podemos acessar a maneira como a realidade se expressa.

Por isso uma Ética escrita à maneira dos geômetras, porque este seria o melhor modelo de relações entre partes e partes para chegar a compreender a relação entre as partes e o todo. Para Espinosa, nós somos pequenas partes de algo muito maior acontecendo: ângulos, segmentos de reta, que se inserem em uma infinidade de outras formas que fazem parte de uma figura geométrica infinita, muito maior. Por sermos partes, só víamos em parte, mas com a razão, podemos chegar no todo, alcançamos Deus.

Cada noção comum é uma peça no quebra cabeça divino e seu encadeamento é a própria maneira como Deus se expressa determinada e necessariamente. Ou seja, precisávamos passar pelas noções comuns parciais para chegar em Deus! Elas eram o caminho da Razão para compreender Deus, a nossa saída da caverna para contemplar algo maior.

Por isso esta é uma das descobertas fundamentais da Ética: ela nos torna capazes de finalmente sair da parcialidade e encontrar o todo. Contemplar Deus se manifestando! É um novo modo de percepção, um novo modo de consciência, aquilo que Espinosa procurava desde o começo com o tratado de Emenda do Intelecto, uma comunhão com Deus.

Percebem como estamos alto, como fomos longe? Estamos pensando os pensamentos de Deus, estamos em sua presença. É como se os atributos dissessem: “ninguém chega a Deus senão por mim”. E ao percebermos que os atributos são o caminho para Deus, nos esforçamos para formar o máximo de noções comuns possíveis.

Este é o movimento de Ascensão da Razão: as afecções gerando afetos, os afetos gerando ideias na mente, a mente pensando os encontros, os encontros se relacionando determinada e necessariamente. Noções Comuns entre as partes que nos permitem compreender nossa relação de partes com o todo. Pouco a pouco, sem perceber, saímos dos modos e entramos nos atributos, encontramos uma relação de determinação e concatenação universal: e aqui estamos na plena presença de Deus.

O resultado saiu melhor que a encomenda: queríamos compreender os afetos, encontrar uma alegria constante e mais segura, e encontramos Deus! Das alegrias particulares, encontramos algo eterno! Este era o grande objetivo da Ética, e está cumprido! Claro, não é simples, é árduo, não é comum e banal, é raro e precioso, mas aqui está. É neste momento que podemos falar de intuição e beatitude.

Texto da Série:

 

Gêneros do Conhecimento

Rafael Trindade

Autor Rafael Trindade

Quero fazer da vida o ofício de esculpir a mim mesmo, traçando um mapa de afetos possíveis.

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