Foucault é um personagem singular da filosofia. Por isso, talvez, seja mais fácil começar dizendo quem ele não é. Foucault não é heideggeriano, marxista ou psicanalista. Também não é um utopista, niilista, revolucionário, nem conservador. Isso faz, para muitos de esquerda, ele ser considerado de direita, e, por muitos de direita, ele ser considerado de esquerda. Enfim, um filósofo difícil de classificar.
Foucault também foi chamado historiador, estruturalista, mas sempre negou estes títulos, recusando às vezes até mesmo ser chamado de filósofo (mas isso ele é!). Bom, como podemos então definir este filósofo? Para Paul Veyne, filósofo e seu amigo, há três definições possíveis:
1 – Foucault, um crítico
Filiado a Kant, nosso filósofo associa sua atividade a de um crítico. Ou seja, seu trabalho é realizar uma análise, um exame de algo. É como se sua filosofia fizesse a todo tempo a pergunta: “em que condições se dá este pensamento? Por que este pensamento é do jeito que é? O que o torna possível?”.
Mas há diferenças: se para Kant a verdade é algo transcendental, ou seja, são condições a priori que nos permitem pensar da maneira que pensamos; para Foucault a verdade é sempre histórica, ou seja, estamos condicionados a pensar porque nascemos e vivemos neste momento e neste lugar (ex. um filósofo grego do séc. III a.C. não poderia pensar como um filósofo francês do séc. XVII).
Isso torna as verdades muito mais humildes, afinal, elas não são reveladas por qualquer divindade, não estão em um céu das ideias, incorruptíveis; muito pelo contrário, elas são o fruto de uma organização imanente, frágil e impermanente. Pensar de modo crítico será então fazer o pensamento refletir sobre si próprio, encontrando suas condições, limitações e possibilidades.
A filosofia é o trabalho crítico do pensamento sobre si mesmo” – Foucault, Ditos e Escrito, IV
2 – Foucault, um intempestivo
Aqui, encontramos Foucault filiado a Nietzsche, o médico da civilização, aquele que diagnostica o niilismo. O filósofo francês também quer filosofar contra seu tempo, para mostrar a decadência da nossa maneira de pensar e viver.
Isso faz de Foucault um extemporâneo, alguém que quer pensar fora do seu tempo. Ainda estamos na concepção crítica, delimitar os limites, mas agora pensando em como superá-los, como ir além! Pensando com olhos no futuro! A Filosofia tem o dever de nos levar para além deste mundo sem criar mundos transcendentes, pensando novas possibilidades de vida nesta vida.
Este é o pensamento perigoso que Nietzsche e Foucault tanto admiram! Embarquemos, os navios estão partindo! Aonde chegaremos? Não sabemos, mas é na aventura que estamos interessados.
3 – Foucault, um cético
A terceira definição talvez seja a mais improvável, mas é uma das mais precisas e reveladoras. Foucault filiado a Pirro, o cético. Do grego, Sképsis, significa: olhar atentamente, examinar. Ou seja, o ceticismo é um segundo olhar. O que este olhar nos revela? Que somos incapazes de alcançar qualquer verdade universal, somos incapazes de alcançar certezas inquestionáveis.
O questionamento cético não deixa pedra sobre pedra, todos os fundamentos são abalados. Mas o que resulta disso? Ora, o resultado da epistemologia se reflete na ética: aprendemos a sermos felizes convivendo com a dúvida!
Diferente do Epicurismo, Estoicismo, Kant, Schopenhauer e Hegel, Pirro se recusa a escrever uma filosofia como sistema. Talvez esta seja a única via pela qual podemos dizer que Foucault não é um filósofo. Seu trabalho é derrubar mais do que construir.
O trabalho do pensamento não consiste em denunciar o mal que habitaria secretamente tudo o que existe, mas pressentir o perigo que ameaça em tudo o que é habitual, de tornar problemático tudo o que é sólido” – Foucault, Ditos e Escritos IV
Em suma, Foucault pensa uma filosofia provisória, ele sabe que todo saber é provisório e está condicionado ao seu tempo. Isso o leva a filosofar sem pretensões universais! Isso não significa que tudo é mentira. Muito pelo contrário, para o filósofo o que existem são muitas pequenas verdades! Mas não enquanto essências, simplesmente verdades enquanto efeitos reais sobre nós!
Foucault, um Crítico, um Extemporâneo, um Cético, um filósofo que parte do cotidiano, das singularidades para questionar as universalidades e generalidades.
Este é o seu objetivo. Como pensamos dentro de um aquário de ideias pré-concebidas, Foucault quer nos mostrar que existe um mundo lá fora, com outras ideias, raciocínios, modos de viver. Nossas verdades se tornam, então, algo a ser constantemente questionado:
- Será que realmente devemos trancar os ladrões?
- Pensando bem, será que nossa sociedade está progredindo?
- Falamos de liberdade, mas será que todos definem liberdade do mesmo jeito?
- Dizemos ter liberdade sexual, mas o que isso significa em nossos tempos?
- Dizemos que existe algo chamado Loucura, mas quem são estes doentes e por que são chamados assim?
Conclusão: se estas verdades podem (e devem) ser questionadas, então deve ser verdade também que existem várias maneiras de pensar! Ora, é exatamente esta a filosofia de Foucault: a sua crítica kantiana examina os limites do conhecimento, a sua extemporaneidade nietzschiana nos incita a pensar diferente e o seu ceticismo nos mostra que nenhum conhecimento possui um ponto final.
Esta conclusão é importantíssima para nós! Isso significa que não precisamos pensar de acordo com o momento presente, não precisamos pensar o que todos pensam. Encontramos em Foucault a potência e a coragem necessária para procurar novas maneiras de pensar e consequentemente de viver. Por isso o caminho aberto por sua filosofia é tão fértil, porque nos mostra que é possível pensar diferente do presente.
Épico! São textos como esse me instigam cada vez mais a começar a estudar esse pensador.