Estes são todos homens do ressentimento, estes fisiologicamente desgraçados e carcomidos, todo um mundo fremente de subterrânea vingança, inesgotável, insaciável em irrupções contra os felizes, e também em mascaramentos de vingança, em pretextos para vingança: quando alcançariam, realmente o seu último, mais sutil, mais sublime triunfo da vingança? Indubitavelmente, quando lograssem introduzir na consciência dos felizes sua própria miséria, toda a miséria, de modo que estes um dia começassem a se envergonhar da sua felicidade, e dissessem talvez uns aos outros: ‘é uma vergonha ser feliz! existe muita miséria!’… “
– Nietzsche, Genealogia da Moral, terceira dissertação, §14
Para Nietzsche, a atualidade se constitui como niilismo, e seu resultado inevitável é o ressentimento. Este afeto é tão difundido em nossa sociedade que mereceu uma análise mais atenta de nossa parte, usando como principal interlocutor o livro Genealogia da Moral, do filósofo alemão. Em primeiro lugar, o ressentido é intolerante, ele recusa a diferença e o devir, além de ter ódio do mínimo desvio da norma. Então ele agita as mãos gritando por justiça e lei, mas nós nos perguntamos: que justiça, que lei?
Ou seja, sofremos de uma impotência para admirar uma força que se afirma, morremos de medo da mínima possibilidade de transvaloração dos valores, queremos paz estupidificante, o sono dos justos. O ressentimento é hostilidade para com o mundo e a busca por um entorpecimento contra ele. Um estimulante (que evita perder-se na dor), um narcótico (que evita que a dor nos consuma). Ou seja, ressentimento é a anestesia contra todos os sofrimentos crônicos que tomam de assalto nossa vida, nossa consciência, ele é nosso narcótico, o remédio que faz efeito permite que a vida continue.
Psicologia e Ressentimento
Neste contexto, Nietzsche desenvolveu sua Psicologia como uma tipologia, uma genealogia das forças e análise de sua distribuição em um mesmo organismo. Temos o nobre e o escravo. O que acontece com o pensamento sob a pressão da doença? Temos que tomar cuidado, um filósofo da suspeita sempre se pergunta, “foi aqui a doença que inspirou estes pensamentos?”. Nietzsche acredita que é possível filosofar à sombra do niilismo, mas que nosso maior inimigo é o ressentimento e a má consciência.
O homem está cansado, e nós estamos cansados do homem. Nossa ideia é pegar os movimentos reativos e levá-los novamente para um terreno ativo. Encontrar onde a planta do ressentimento começa a fincar suas raízes para podá-la! Sim! Por ser vetado ao ressentido a verdadeira felicidade, ele precisa fingi-la aos olhos alheios, cabe a nós entender esta farsa e encontrar saídas mais potentes, buscar horizontes alargados.
Esta é a difícil tarefa do filósofo, andar pelo lodaçal da doença sem se deixar sujar pelo ressentimento. A Genealogia da Moral é a avaliação prévia ao: amor fati. Mais do que nunca essas reflexões filosóficas precisam ser feitas: O homem do ressentimento precisa ser superado!