Mas deixemos o sr. Nietzsche de lado: que temos nós com o fato de o sr. Nietzsche haver recuperao a saúde?… Para um psicólogo, poucas questões são tão atraentes como a da relação entre filosofia e saúde”
– Nietzsche, Gaia Ciência, Prólogo §2
Que interessa que o sr Nietzsche fique doente e depois recupere a saúde? Ora, para nós interessa e muito. Poucas questões são tão importantes quanto a saúde e a doença de um corpo, e é a nossa própria curiosidade filosófica que é atraída para este fenômeno.
Ao colocar corpo e mente no mesmo campo, abre-se uma nova possibilidade de explicação e interpretação. A fisiologia e a psicologia, agora unidas na fisiopsicologia, dão respostas que a dualidade corpo-alma não conseguia. A filosofia de Nietzsche parte daí!
Frequentemente me perguntei se até hoje a filosofia, de modo geral, não teria sido apenas uma interpretação do corpo e uma má compreensão do corpo”
– Nietzsche, Gaia Ciência, prólogo §2
Até hoje não se fez boa filosofia, porque desconsideramos o corpo, ele não fazia parte do jogo, era sempre colocado de escanteio. Estranho, os filósofos tradicionais sempre agiram como se a filosofia caísse do céu, como fosse revelada magicamente! Por acaso eles pensavam que éramos cabeças flutuantes? Mas Nietzsche segue em outra direção:
Desde que se é uma pessoa. Tem-se necessariamente a filosofia de sua pessoa”
– Nietzsche, Gaia Ciência, prólogo §2
Ou seja, muitos podem não gostar de filosofia, mas basta viver para ter a sua. E aqui, o filósofo do martelo se volta contra os desprezadores do corpo e transmundanos: por que eles odeiam o corpo e o mundo? Que filosofia é essa? Ora, só pode ser a teorização que parte de um corpo doente de si e de existir. Uns desprezam o corpo porque sentem que ele é sujo, que atrapalha, que é uma pedra no caminho. Ora, por que eles não se livram então deste corpo? Já os transmundanos vivem aqui, mas só sabem falar de outro mundo, outra existência, melhor que esta, mais perfeita. Mas por que eles não vão logo para este mundo e nos deixam em paz?
A resposta de Nietzsche está na Fisiopsicologia. Todo o valor da existência é simplesmente o valor que se dá ao próprio corpo que existe em ato. Ou seja, qual o valor que uma pessoa dá para seu próprio corpo físico, seu existir real e atual? Toda filosofia é conjunto de valores que relaciona corpo, alma e mundo. Sendo assim, é fácil perceber que são puramente as condições fisiológicas determinam uma maneira de pensar. Conclusão? Os desprezadores e transmundanos estão doentes de si mesmos…
A Fisiopsicologia
Podemos dizer então que a fisiopsicologia é a base de avaliação da existência humana! Não é o Cogito, não é a Vontade, não é a Alma, é simplesmente um corpo recheado de impulsos, de afetos, de pulsões. A fisiopsicologia se pergunta: como brotaram estes valores, como cresceu este pensamento, como se constituiu este modo de vida? Se o corpo é o sintoma de muitos impulsos em si mesmo, como estes impulsos se manifestam e se expressam?
Dito de modo ainda mais direto: qual a maneira pela qual a Vontade de Potência pode se expressar neste corpo? Aqui, veremos, Nietzsche age como um médico da civilização: estes sintomas, são eles expressão de saúde ou de doença? São signos de declínio ou são sintomas de um corpo saudável? O filósofo alemão avalia os sintomas que um corpo produz. São potentes ou impotentes? Levam a vida adiante ou a conservam em um estado de fraqueza e debilidade?
A conclusão não é boa. Olhando o animal homem, corpo entre corpos, notamos que ele está doente. Sua cultura é o solo onde ele se contamina. Mas doente de quê? Pois bem, o homem está doente de si mesmo! Pois vive, pensa, age e institui valores contra si mesmo! Nega seu corpo, nega esta vida, nega seus afetos e instintos; pior, exalta a morte, o entorpecimento, a ignorância.
É olhando para o corpo, base de inscrição do pensamento e da cultura do homem moderno, que Nietzsche pode fazer o diagnóstico fisiopsicológico: estamos todos nós doentes. Qual o prognóstico? O que fazer? Devemos encontrar novos modos de viver! E é para isso que temos a filosofia!
O filósofo precisa voltar a filosofar com todo o seu ser, sem deixar nada de fora, sem recusar nenhum dos seus impulsos, sem menosprezar os afetos e instintos. Ele deve se perguntar constantemente: mas e meu corpo? Ele está comigo? Ele faz parte do meu pensamento? Pois, de agora em diante, a filosofia precisa do corpo! E com urgência, pois está morrendo em vida!
A nós, filósofos, não nos é dado distinguir entre corpo e alma, como faz o povo, e menos ainda diferenciar alma de espírito. Não somos batráquios [rãs] pensantes, não somos aparelhos de objetivar e registrar, de entranhas congeladas – temos de continuamente parir nossos pensamentos em meio a nossa dor, dando-lhes maternalmente todo o sangue, coração, fogo, prazer, paixão, tormento, consciência, destino e fatalidade que há em nós”
– Nietzsche, Gaia Ciência, prólogo §3
Nietzsche utiliza o corpo como fio condutor para entender e estender o pensamento para novos campos! Platão não foi capaz, Descartes, Kant, toda a tradição não foi capaz. Uma cultura impotente gera pensamentos impotentes, que aprisiona corpos em estado de fraqueza.
O objetivo de Nietzsche é deixar este pensamento filosófico incorpóreo, metafísico, desprezador do corpo, para trás! Ele faz uma crítica profunda deste modo de vida, para tornar evidente a fragilidade desta filosofia, destes valores. Uma filosofia que volte a valorizar o corpo será diferente de tudo que vimos até então! Pois estará diretamente relacionada com a vida, com a revalorização deste mundo, desta existência, destas forças imanentes.
Viver – isto significa, para nós, transformar continuamente em luz, e flama tudo o que somos, e também tudo o que nos atinge; não podemos agir de outro modo”
– Nietzsche, Gaia Ciência, prólogo §3
Ótimo texto Rafael
Texto interessante e que fez despertar boas reflexões, obrigado e parabéns Rafael.
“Mas deixemos o sr. Nietzsche de lado: que temos nós com o fato de o sr. Nietzsche haver [DELETE recuperao][INSERT recuperado] a saúde?… Para um psicólogo, poucas questões são tão atraentes como a da relação entre filosofia e saúde”
– Nietzsche, Gaia Ciência, Prólogo §2
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