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Estamos na borda do abismo e pretendemos pular! A pergunta mais sensata a fazer neste momento é: qual o sentido disso tudo? Memória, Duração, Elã Vital… onde isto tudo nos leva? Se tivermos coragem de pular, seremos capazes de encarar aquilo para o que viramos os olhos constantemente. O fundo das coisas não é o imóvel e o estático, pelo contrário, esta é a sua superfície mais rasa, recortada para a ação. O fundo das coisas é o movimento, a duração, a evolução criadora.

Nosso pensamento, sob sua forma puramente lógica, é incapaz de representar a verdadeira natureza da vida, a significação profunda do movimento evolutivo”

– Bergson, A Evolução Criadora, p. 5

Nossa primeira atitude foi colocar os problemas em termos de tempo e não de espaço. Separar a matéria da memória. Brigar momentaneamente com a inteligência que tudo quer quantificar e homogeneizar. O tempo não mais pode ser medido em unidades iguais, tempo não é espaço. O tempo não pode ser pensado da mesma maneira que um plano geométrico, como objetividade pura, como quantidades que se substituem umas à outras.

Assim que colocamos as Ideias Imutáveis no fundo da realidade movente, toda uma física, toda uma cosmologia, até mesmo toda uma teologia seguem-se necessariamente”

– Bergson, A Evolução Criadora, p. 219

Deixamos a filosofia do instante que escoa do futuro para o presente e morre no passado para pensar uma filosofia da duração, onde o passado é imanente ao presente e prenhe de futuro. A aposta é alta. Entre um instante e outro há uma continuidade, na duração há simultaneidade de fluxos que se acumulam e mudam de natureza. Se o tempo real é alteração, então a substância do mundo é a mudança. A essência do universo é tornar-se outro.

Invertemos Platão: o tempo é a eternidade, sendo sua imagem imóvel uma ilusão. É aqui que os simulacros ganham direito de existência e aqui onde a brincadeira começa a ficar interessante. O sentido da vida é inserir um pouco de devir nisso tudo! Fazer da própria existência um devir radical, uma transformação contínua, sem perder a consistência.

O tempo é invenção ou não é nada”

– Bergson, A Evolução Criadora, p. 237

Ao deixarmos para trás uma maneira representativa de pensar, com o presente encarnando ideias eternas, saímos do campo real/possível para entrar no campo do virtual/atual. O virtual não tem relação com o possível (ele é real sem ser atual, é ideal sem ser abstrato). O Virtual não quer se realizar, ele já é real como impulso de diferenciação, múltiplas linhas e tendências! O virtual se atualiza para além da semelhança e da imagem, inventando sem modelos. Toda filosofia precisará levar o seu conhecimento para o campo da intuição, ou corre o risco de perder sua originalidade. A duração é a coexistência do virtual e do atual. O devir dura e por isso insere criação!

Continuidade de mudança, conservação do passado no presente, duração verdadeira, o ser vivo, portanto, parece realmente partilhar esses atributos com a consciência. Será que podemos ir mais longe e dizer que a vida, como a atividade consciente, é invenção e, como ela, criação incessante?”

– Bergson, A Evolução Criadora, p. 25

Criação incessante! Sim! De quê? Da Diferença!

– Fabian Oefner

A diferença é o verdadeiro começo

– Deleuze, Bergsonismo, p. 148

É Bergson quem traz as maiores contribuições para uma filosofia da diferença, não mais o tratando como mero adjetivo, mas como substantivo: o ser das coisas é a diferença. Ao mudarmos, ao amadurecermos, estamos habitando este plano de criação indefinida de nós próprios! A filosofia da diferença nos ensina que a vida quer se abrir cada vez mais, e ela faz constantemente esse processo, independente de onde e quando. Ela é um Impulso, um entusiasmo, uma disposição pela diferença! O sentido da vida é um impulso de diferenciação! Não é lindo? Mal temos ideia das consequências desta maneira de pensar.

Podemos dizer então que não há pulsão de morte? Impulso para o inorgânico? Vontade de auto-destruição? Sim! Com todas as letras: Não há pulsão de morte! Há pulsão de diferenciação! Apenas tudo isso. A vida é um um esforço para reerguer o peso que cai. Um embate com a matéria. A vida são todas as forças que resistem à morte. É verdade que, individualmente, apenas conseguimos retardar a queda por um tempo curto, mas pelo menos podemos ter a ideia do que foi a elevação do peso. A grande beleza da vida é que ela não deixa prender-se nos indivíduos, mas segue sempre além, numa força que atravessa a tudo e todos. De maneira limitada, mas incansável, a vida é ação crescente.

O ser vivo é sobretudo um lugar de passagem, e que o essencial da vida está no movimento que a transmite”

– Bergson, A Evolução Criadora

Começamos, em um primeiro momento, de modo simples, a duração é a diferença consigo mesma, interna, mais ou menos contraída, variando; a memória é a coexistência dos vários graus de diferença que se atualizam na melhor ação. Em um segundo momento temos o Elã Vital que atualiza esses virtuais segundo linhas de diferenciação, o impulso vital é a diferenciação da diferença.

Enquanto a memória se atualiza e dá consistência à virtualidade da duração, dando objetividade, contraindo-a no presente e tornando-a apta a realizar-se, temos a virtualidade se atualizando na vida, como contínua diferenciação. Parece complicado, mas não é! A essência da vida é atualizar-se como diferença pura, é este movimento que ela realiza constantemente: força interna explosiva de diferenciação que se prolonga o máximo possível.

Deus, assim definido, nada tem de já pronto; é vida incessante, ação, liberdade. A criação, assim concebida, não é um mistério, experimentamo-la em nós mesmos assim que agimos livremente”

– Bergson, A Evolução Criadora, p. 176

Este é o verdadeiro ato de liberdade: contrair todo o nosso ser, nossa memória, em direção a esta capacidade de afetar. Com Bergson (juntamente com outros filósofos deste site) temos um convite à experimentação de novas realidades. Nós somos o pequeno desequilíbrio que rasga a matéria traçando novos caminhos! Nós queremos manter essa instabilidade, é ela que torna as coisas realmente interessantes! O estremecimento faz parte do ser. Um pouco de instabilidade, senão sufocamos.

Na ponta de cada ato livre está um ato de diferenciação, superação de uma barreira, alegria de criação. Acumulação de energia com o fim último de seguir por uma nova, indeterminada, imprevista, impossível direção. Na liberdade, somos nós que introduzimos algo no mundo, nós somos os autores. Nos tornamos, como queria Espinosa: natureza naturante; como almejava Nietzsche: criadores de novos valores.

Instalar-se no devir é ver o mundo como ele é, sem imagens exteriores que o regulem e o estreitem. É encarar o impensável: A vida tem pouco de pronto e muito de criação! Nosso mundo é maior porque está aberto para o que não sabemos, e apenas assim ele pode nos surpreender! Assim como escrever é o ato de não saber exatamente o que escrever, por mais que se saiba todas as regras de sintaxe, viver é não saber exatamente o que viver.

O verdadeiro ato de liberdade é a capacidade de criar para si um sentido para a vida, inventar um sentido a ela, criando novas direções. Esta seria a grande coroação da filosofia, seu fim mais nobre, sua colossal beleza: o ato livre de emoção criadora! Não poderíamos encontrar outro movimento nem outro sentido para a filosofia de Bergson. Seu esforço é para que o universo continue aberto!

O universo dura. Quanto mais aprofundarmos a natureza do tempo, melhor compreenderemos que duração significa invenção, criação de formas, elaboração contínua do absolutamente novo”

– Bergson, A Evolução Criadora, p. 17

Texto da Série:

Elã Vital

Rafael Trindade

Autor Rafael Trindade

Quero fazer da vida o ofício de esculpir a mim mesmo, traçando um mapa de afetos possíveis.

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Jonathas
Jonathas
4 anos atrás

O devir de Heráclito sem dúvida, é uma das maiores contribuições para a filosofia. Bergson simplesmente destroça qualquer dogmático com verdades absolutas. Gratidão pelo o artigo!

Cristian Lima
Cristian Lima
4 anos atrás

Eu amo filosofia. Meu filósofo favorito é Nietzsche.

Harrison Bezerra
Harrison Bezerra
2 anos atrás

Eu gosto muito dessa filosofia afirmativa, onde chama-se para junto de si o acontecimento; onde não se abre mão da potência criativa; da criação de novos valores. Todavia, sofrer é escroto pra caralho! – Quem já sofreu sabe do que estou falando. Ter 70% do corpo carbonizado e ainda assim afirmar esse acontecimento não deve ser muito fácil. Pode-se ser que eu esteja fazendo juízo de valor com os acontecimentos, mas a questão é esta: somos mesmo capazes de afirmar os acontecimentos? Outro ponto instigante é: afirmar os acontecimentos e criar para si novas formas de existir é puramente uma… Ler mais >