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Intuição é um método rigoroso, elaborado e sistemático. Reconhecendo os limites da razão e a realidade da duração, a filosofia precisa encontrar outros caminhos. Mas ao utilizarmos esta palavra, é fácil cair no senso comum de uma inspiração, uma simpatia, algo que vem de outro mundo. Bergson se esforça para não cair neste erro.

Por isso veremos algumas regras, propostas por Deleuze, para fazer bom uso do método intuitivo:

PRIMEIRA REGRA: Aplicar a prova do verdadeiro e do falso aos próprios problemas, denunciar os falsos problemas, reconciliar verdade e criação no nível dos problemas” – Deleuze, Bergsonismo

A primeira coisa que a intuição diz é que precisamos urgentemente recolocar os problemas! Ao recortarmos a realidade de maneira imprópria criamos uma grande quantidade de problemas filosóficos que simplesmente são inúteis ou não apresentam uma boa resolução.

O que são falsos problemas? São problemas filosóficos colocados em termos quantitativos, que admitem respostas gradativas de mais e menos. Ora, mas por que problemas filosóficos colocados em termos quantitativos são ruins? Porque automaticamente caímos em mistos mal elaborados. Misturando quantidade com qualidade, espaço com tempo, objetivo com subjetivo.

Exemplos de problemas ruins: A liberdade é determinismo ou livre-arbítrio? Porque existe o Ser em vez do Nada? O que é o Uno e o Múltiplo?

Apenas com boas perguntas teremos boas respostas. A formulação de um bom problema é o primeiro passo para que suas solução apareça.

SEGUNDA REGRA: Lutar contra a ilusão, reencontrar as verdadeiras diferenças de natureza ou as articulações do real” – Deleuze, Bergsonismo

Para Bergson, os problemas são mal colocados e não encontram boas soluções porque nós não entendemos bem as articulações do real. Ou seja, é preciso entender as diferenças de natureza entre o tempo e o espaço, a diferença entre qualidade e quantidade, subjetivo e objetivo.

Bergson quer cortar conceitos da mesma maneira que o bom alfaiate corta roupas. Tomando cuidado para não ser nem justo demais nem largo demais, caso contrário impede o movimento, não serve. Criar conceitos como Ser e Nada para falar do devir é como fazer uma roupa larga demais ou apertada demais para vestir a realidade.

Para recortar bem as diferenças de natureza, nada é mais necessário que precisão. Não se pode fazer de qualquer jeito, não se pode imitar os outros, não se pode partir de um molde já estabelecido. Não se filosofa comprando conceitos em lojas de departamento!

A intuição é a maneira que Bergson encontrou de realizar esta tarefa, ela nos permite avançar contra as maneiras instituídas e rígidas de pensar. Apenas a Intuição nos oferece esta nova direção para o pensamento, pois se movimenta no mesmo ritmo que a realidade. Ela é a única maneira de ver profundamente o ser, tal como ele é e se expressa.

Sendo assim, vemos como a intuição é o esforço para inverter a ordem natural do movimento. Não se parte do ideal para se falar do real, pelo contrário, parte-se do real para criar conceitos que expressem bem o seu movimento natural.

TERCEIRA REGRA: Colocar os problemas e resolvê-los mais em função do tempo do que do espaço” – Deleuze, Bergsonismo

Pois bem, a intuição consiste exatamente em formular problemas em termos de duração! É um método que recoloca a questão do tempo na filosofia, reconhecendo sua primazia. 

Mas muito cuidado, é preciso formular os problemas em termos de tempo puro, ou seja, Duração Pura, não como um tempo cronológico recortável. Não como um presente instantâneo, limpo de qualquer passado. O presente nunca está sozinho, ele simplesmente não pode se apresentar desta maneira. Há no presente um tanto de passado, mais ou menos concentrado, invadindo o momento, durando e se alongando nele. É este movimento que a intuição alcança.

A intuição serve para depurar o tempo do espaço, mostrando que há uma interpenetração de um momento com o outro. Tudo está em tudo, como diziam os estoicos e os cínicos. Há uma simpatia, um estado está imediatamente misturado com o outro.

É desta maneira que Bergson filosofa em todas as suas obras, sem exceção. Separando mistos mal elaborados: espaço-consciência, matéria-memória, inteligência-instinto, moral aberta-moral fechada. Após denunciar os falsos problemas e reencontrar as diferenças, ele pode resolvê-los em termos de duração.

Texto da Série:

Duração

Rafael Trindade

Autor Rafael Trindade

Quero fazer da vida o ofício de esculpir a mim mesmo, traçando um mapa de afetos possíveis.

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2 Comentários
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jabertine
3 anos atrás

Série incrível sobre Bergson! Esse filósofo é minha paixão de quarentena e esses textos me ajudam muito.

Parabéns pela força que vocês são na filosofia.

David Cesar
David Cesar
2 anos atrás

Bergson é meu filósofo favorito.