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O neoliberalismo, antes de ser uma ideologia ou uma política econômica, é em primeiro lugar e fundamentalmente uma racionalidade e, como tal, tende a estruturar e organizar não apenas a ação dos governantes, mas até a própria conduta dos governados. A racionalidade neoliberal tem como característica principal a generalização da concorrência como norma de conduta e da empresa como modelo de subjetivação

– Pierre Dardot e Christian Laval, A Nova Razão do Mundo, p. 17

A Sociedade Biopolítica produz uma subjetividade que podemos chamar de Sujeito Neoliberal. É obvio, precisamos de novos seres humanos, novas subjetividades, para novos tempos!

Uma sociedade neoliberal, voltada para a forma empresarial, empreendedora, riscófila, nascida para a concorrência e a liberdade, criará subjetividades para habitá-la. Se esta é a nossa nova razão, onde estão os novos sujeitos para encarná-la?

A subjetividade moderna está profundamente mergulhada na ideia de competição onipresente. Todas as relações humanas estão submetidas à ideia de desempenho máximo e lucro máximo. Se o sujeito produtivo foi a grande criação da era moderna, o sujeito pós-moderno é o altamente eficaz. Ele se envolve! Ele é o seu trabalho! Vive e respira a sua ocupação 24h por dia.

Se o sujeito produtivo precisava seguir ordens, o sujeito neoliberal precisa ter iniciativa, ser inovador; se o sujeito produtivo tem um chefe opressor, o neoliberal é ao mesmo tempo seu próprio chefe e empregado; o produtivo tem horário de entrada e de saída, salário fixo; o neossujeito é flexível, faz seu próprio horário, responde e-mails de madrugada e investe na bolsa de valores nas horas vagas.

Ora, não tem jeito, a competição exige isso! Estamos na selva do capitalismo, apenas os mais fortes sobrevivem. O sujeito neoliberal precisa estar atento, agir sobre si mesmo para fortalecer-se, caso contrário, será devorádo pela concorrência, e não alcançará seus objetivos. Todas as suas atividades, sem exceção, devem assemelhar-se a um investimento, uma produção de lucro, um cálculo de custos e retornos financeiros.

Cada sujeito foi levado a conceber-se e comportar-se, em todas as dimensões de sua vida, como um capital que devia valorizar-se: estudos universitários pagos, constituição de uma poupança individual para a aposentadoria, compra da casa própria e investimentos de longo prazo em títulos da bolsa são aspectos dessa ‘capitalização da vida individual'”

– Pierre Dardot e Christian Laval, A Nova Razão do Mundo, p. 201

Ele está sozinho e sua liberdade tornou-se uma nova forma de escravidão, uma obrigação eterna de desempenho. Ele não pode parar, porque não há ninguém lá por ele. Ele não pode descansar, não pode baixar a guarda, pois todos querem puxar o seu tapete. Não pode perder porque é ao mesmo tempo seu único trabalhador e seu próprio acionista. Ao mesmo tempo se explora e é explorado.

Por isso, ele precisa ser o melhor no trabalho, o melhor pai-mãe, o melhor marido-esposa, o mais saudável, o mais bonito, o mais inteligente, o melhor na cama. É preciso produzir mais, gozar mais, viajar mais, ser mais magro, ter um carro mais caro. Eis o homem neoliberal, ele vive em um teatro onde só atuam heróis, semideuses e deuses.

O novo sujeito é o homem da competição e do desempenho. O empreendedor de si é um ser feito ‘para ganhar‘, ser ‘bem sucedido‘”

– Pierre Dardot e Christian Laval, A Nova Razão do Mundo, p. 353

Não surpreende todos os programas de televisão serem focados na competição, no desempenho, na motivação. Isso desde os programas infanto-juvenis até os mais variados programas adultos. Vemos crianças e jovens competindo como adultos: quem tira a nota mais alta, quem corre mais rápido, quem acerta o maior número de perguntas, etc. Isso chega na programação adulta de inúmeras maneiras, competimos para ver quem canta melhor, quem cozinha melhor, competimos até para ver quem é mais singular, original, e amado pelo público.

O que vemos aqui é a completa homogenização do discurso. Todos competindo tornam-se iguais, são colocados na mesma fila onde em um ponto se encontram os vencedores e na outra os perdedores. A busca individual por vencer gera uma perda coletiva. Todos igualmente cansado, humilhados, tristes, frustrados. A competição opera uma unificação sem precedentes das formas plurais da subjetividade. Quando o capitalismo chega na alma, ele finalmente tomou tudo.

Texto da Série:

Biopolítica

Rafael Trindade

Autor Rafael Trindade

Quero fazer da vida o ofício de esculpir a mim mesmo, traçando um mapa de afetos possíveis.

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Rodolfo soares
Rodolfo soares
4 anos atrás

Rafael Trindade…ótimos textos de Pierre Dardot e Christian Laval. Vou ler o livro deles.: A nova razão do mundo , excelente!!! Os textos de Foucault estão em um livro dele ? Se sim, qual o nome? Abraços afetuosos.

Richard
Richard
4 anos atrás

Demais Rafael!
Ótimo texto…já estou instigado para ler Pierre Dardot e Christian Laval nas férias
Abraço!

Leandro
Leandro
4 anos atrás

Ótima reflexão Rafael!!!

Gloria Adnet
Gloria Adnet
4 anos atrás

Gostei de todos os textos sobre neoliberalismo, sou estudante de medicina, me interesso por psiquiatria e vemos pessoas adoecendo por causa desses modelos neoliberais de sucesso, um sucesso falso e que nada mais é do que uma armadilha. O indivíduo nada mais é do que um cão que corre atrás do próprio rabo.

Valéria
Valéria
3 anos atrás

Muito didático você.

Leonardo
Leonardo
3 anos atrás

Adoro os textos de vocês, mas me dói na alma ver que praticamente todos tem erros de grafia (sério). Poderiam fazer uma revisão uma hora dessas, né?

Maurilio Canto
Maurilio Canto
3 anos atrás

Texto muito bom. Só queria pontuar que foi a competição que nos trouxe até aqui.

Jéssica
Jéssica
2 anos atrás

Que texto incrível! Preciso ler esse livro urgentemente. Já estava com vontade de lê-lo e esse texto foi o empurrão que faltava.

Helton
Helton
1 ano atrás

Interessantíssimo o texto e o tema. Não pude deixar de notar a ironia na forma como o autor se descreveu: “Quero fazer da vida o ofício de esculpir a mim mesmo”.