Dissemos que no mundo tudo são corpos, e é verdade, mas existem certas entidades no mundo estoico que são não-entidades. Para os estoicos existem coisas que mesmo existindo, não são corpos: o vazio, o tempo, por exemplo. Mesmo o choque dos corpos uns com os outros, também, faz com que algo apareça, que não é da ordem do corporal.
É isso, existem coisas que existem sem existir corporalmente. E apenas conhecendo os corpos e os elementos não seremos capazes de compreender o cosmos como um todo. Precisamos falar sobre o outro lado da moeda, os incorporais.
Os estoicos definem quatro incorporais, são eles:
- Vazio: não há vazio no mundo, pois tudo está misturado, mas há vazio fora dele, o próprio mundo, dizem os estoicos, flutua num vazio infinito. O mundo inteiro está num vazio gigante, eterno, que, por razões óbvias, é incorporal.
- Espaço: dentro deste vazio infinito está o espaço, que também é incorpóreo, mas não é vazio, pois está preenchido pelos corpos. É como a moldura onde tudo acontece. Do vazio nada podemos dizer, mas do espaço podemos dizer “em cima”, “embaixo”, “à esquerda”, “à direita”. O espaço é o palco do teatro ocupado pelos corpos se movimentando.
- Tempo: Todos os corpos preenchem o espaço e se movem no tempo. Ou seja, todo acontecimento acontece no tempo, ele é a sustentação daquilo que se modifica. Todos os acontecimentos se desenrolam no espaço e no tempo.
- Exprimível: Dos corpos no espaço se modificando no tempo nós podemos dizer algo, exprimir algo. O exprimível é o quarto incorporal, porque ele é aquilo que dizemos do movimento dos corpos no espaço e no tempo. Exemplo, quando afirmamos que a carne é cortada pela faca, isso é um exprimível incorporal. A faca e a carne são corpos nos espaço, mas o corte é incorporal, é um acontecimento.
A interação entre os corpos no espaço e no tempo causa os incorporais. O incorporal é a expressão de um corpo se modificando. E o Exprimível fala destes acontecimentos que se desenrolam no tempo, de objetos que estão no espaço, e que habitam um vazio infinito. Ou seja, o Exprimível tem uma única intenção: exprimir o acontecimento.
Então:
- Temos os corpos: o objeto corporal feito de quatro elementos. Trata-se do próprio objeto designado, um cachorro, por exemplo, real, feito de carne e osso, que late, no mundo.
- O cão, que é um ser vivo corpóreo
- A Faca que é um objeto corpóreo
- A água, que é outro ser corpóreo
- O pão que é um ser corpóreo
- Temos o Significante: dizer ou escrever: “o cachorro late”, que não passa de um barulho, uma perturbação que fazemos no ar com nosso pulmão; ou que escrevemos com tinta em um papel.
- É simplesmente um som, um barulho: dizer “cão”, “faca”, “água”, “pão” (que são barulhos, ondas sonoras no ar e portanto corpóreos)
- Um símbolo, escrever/desenhar : “O cão”, “A água”, “A Faca”, “O Pão” que são corpóreos também, tinta corpórea no papel
- E por fim temos o significado: este é o exprimível (lekton), ele é incorporal (não corpóreo), ele exprime um acontecimento, uma modificação nos corpos:
- O cão corre na praia
- A onda quebra na pedra
- A faca corta o pão
As duas primeiras definições são corpóreas, e apenas a última é incorporal.
Vemos como os estoicos se afastam de Aristóteles: não há mais ênfase nas categorias do ser (qualidade, quantidade, ação, lugar, tempo…) Há apenas quatro categorias: substrato (corpo que é a matéria composta de elementos), qualidade (corpo que possui diferenças na composição da matéria), maneira de ser e relação (que são incorporais, efeitos da matéria)
Ou seja, no Vazio (incorporal) temos os Espaço (incorporal) preenchido por corpos. Estes corpos se modificam no Tempo (incorporal), e nós podemos exprimir estes acontecimentos (incorporais).
Dito de outra maneira. Tudo são corpos. Certo, mas estes corpos, inseridos no tempo (incorporal) e no Espaço (incorporal) se modificam através dos acontecimentos (incorporais). E nós temos apenas os exprimíveis (incorporais) para compreender o que se passa.
A lógica é a capacidade de exprimir os incorporais, que são os corpos se modificando no espaço e no tempo. Como tudo é um, como o corpo é um só no espaço, então há uma harmonia universal, o caos não se instala porque a natureza é Deus e Logos.
A realidade possui consistência, que o homem pode e deve conhecer, para poder viver bem. Através dos Incorporais nós somos capazes de exprimir um conhecimento certo de Deus e da Natureza, e dizer Sim a mundo, que é ele. Podemos chamar de um materialismo espirtualista porque o divino e o natural se misturam e se harmonizam em um logos universal e necessário.
Os incorporais são um caminho importantíssimo e necessário para encontrarmos nosso lugar no mundo.
Interessante e tenho uma dúvida os estóicos defendem o suicídio quando não pode se mais lutar por uma vida digna Mas daí vem a questão o que é uma vida digna e quando devemos reconhecer que não a mais como lutar? Quanto supurtar de uma tortura física por exemplo