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Nada, certamente, a não ser uma superstição sombria e triste, proíbe que nos alegremos. Por que, com efeito, seria melhor matar a fome e a sede do que expulsar a melancolia? Este é o meu princípio e assim me orientei” – Espinosa, Ética

Se os maus encontros são diretamente maus e deles devemos nos afastar, então o que orienta Espinosa? A resposta é óbvia: Alegria! Afinal, Espinosa é o filósofo da Alegria, ele preza pelos bons encontros, aqueles que aumentam a nossa potência de viver. 

A definição de um Bom Encontro seria a relação que se compõe, que nos convém, que nos conserva e nos ajuda a prosperar, é o encontro que aumenta a nossa potência de existir, e que favorece a nossa capacidade de afetar e ser afetado. Por isso, dirá Espinosa, “toda Alegria é diretamente boa”.

O Bom encontro pode ser uma ação nossa, efeito de nossa capacidade de agir, ou pode ser fruto do destino, da Fortuna, que nos favoreceu naquele momento. De qualquer maneira é o vento a nosso favor.

Sendo assim, todo bom encontro é então uma conta de soma, onde a força de dentro se soma à força de fora: o ar que compõe com nossos glóbulos vermelhos, os nutrientes que se compõem com o intestino, o calor que esquenta nosso corpo, a música agradável que ouvimos no bar, a conversa gostosa e instigante com alguém, um bom livro, um bom resultado nas eleições.

Pois é, isso acontece, tem dias que o mundo parece simplesmente jogar a nosso favor! Nosso esforço por existir é favorecido pelos encontros! Quer coisa melhor? No limite dos bons encontros, chegamos em um lugar novo: o contentamento.

O contentamento mostra o corpo na sua melhor condição. Aquele momento de encaixe perfeito, aquele momento tão difícil quanto raro, onde todas as partes do nosso corpo aumentam seu grau de potência harmonicamente. O Contentamento é a Alegria que favorece igualmente todas as partes do corpo.

Deleuze tem outro nome para isso, ele chama de Agenciamento:

  • Se fosse um jogo de futebol, o contentamento seria quando estamos em nossa melhor condição física, e jogando contra um time desfalcado, em nosso estádio, com o técnico no seu melhor momento, com o juiz que deu um pênalti a nosso favor e o atacante adversário que se machuca. E… e… e…;
  • Se fosse um músico de bar, o contentamento seria ele ter praticado uma música em casa repetidas vezes, e encontrar com o baixista que também gosta de tocar esta música, e ver que o público está empolgado, e perceber que o bar está cheio, e ficar sabendo que o baterista voltou com a namorada e chegou cheio de animação. É a melhor guitarra, com corda nova, e noite apenas começando, e… e… e…

O contentamento é um bom agenciamento de bons encontros, uma distribuição equilibrada de afetos. É o teto da alegria, o limite, como dizem os físicos: as melhores condições de temperatura e pressão.

E aqui vemos outra coisa muito importante acontecendo. Quando atingimos o teto da alegria, quando tudo está dando certo, uma outra coisa começa a acontecer, começamos a  formar Noções Comuns. Sim, este conceito de extrema importância para o espinosismo nasce aqui!

Nas paixões, pode acontecer de termos um agenciamento perfeito, mas ele será raro, dependendo de uma concatenação de causas e efeitos exteriores a nós e muito improvável. Ainda assim, quando isso acontece, temos que estar atentos, observar: como foi que isso aconteceu? Como posso fazer para reproduzir esta felicidade?

As paixões alegres possuem duas grandes limitações: 

  1. Uma paixão, por melhor que seja, ainda é uma paixão, ou seja, nunca estamos 100% garantidos, porque ela é produzida pelo exterior. Teríamos que aprender a produzi-la por nossa própria conta.
  2. As paixões alegres têm um perigo oculto muito mais perigoso: ela é diretamente boa, mas pode ser indiretamente má. Isso acontece quando ela ultrapassa o limite do nosso corpo, tornando-se dor. É tudo uma questão de doses e um bom encontro em excesso pode tornar-se mau encontro.

Por isso a enorme importância que Espinosa dá à moderação dos afetos! Não adianta vivermos como folhas ao vento, pois o vento não nos favorece. A questão é aprendermos a nos apropriarmos deste mundo para viver o melhor que ele pode nos dar. E isto é uma tarefa da Razão.

Texto da Série:

 

Ética

Rafael Trindade

Autor Rafael Trindade

Quero fazer da vida o ofício de esculpir a mim mesmo, traçando um mapa de afetos possíveis.

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Ana Flávia Vianna
Ana Flávia Vianna
11 meses atrás

Olá Rafael Trindade,

Amei os seus textos principalmente sobre Espinosa. Sou fã do Baruch Espinosa. Gostaria de saber se há filmes sobre ele. Já vi o filme, “The Apostle of Reason”, mas queria saber se existem outros filmes?

Me deixa saber.
Agradeço atenciosamente,
Ana Flávia Vianna.

Last edited 11 meses atrás by Ana Flávia Vianna