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Esquizoanálise

Capitalismo e Esquizofrenia

Introdução

A esquizoanálise foi desenvolvida por Deleuze e Guattari em seus livros “O Anti-Édipo” (1972) e “Mil-Platôs” (1980). As duas obras levam o mesmo subtítulo de “Capitalismo e Esquizofrenia”. É no primeiro livro que nasce a ideia de Esquizoanálise, como reação à psicanálise, pois faz uma severa crítica ao inconsciente representativo desenvolvido por Freud, além de repensar profundamente sua interpretação do conceito de “desejo”. Para abrir caminho, os autores propõem novos conceitos como o de Inconsciente Maquínico, Corpo Sem Órgãos, Máquinas Desejantes e assim por diante. O inconsciente torna-se usina é responsável pelo desejo como intensidade que produz realidade.

O objetivo é repensar o inconsciente, como produção desejante, ao invés de falta a ser preenchida, para criar repensar a prática psicanalítica. Deleuze e Guattari trazem também uma abordagem bem mais militante e política do indivíduo. A esquizoanálise assim, resiste ao chamado Império de Édipo, pois, com base nestas reinterpretações, ela faz da figura do esquizofrênico aquele que resiste à edipianização.

Capitalismo e Esquizofrenia

O subtítulo “Capitalismo e Esquizofrenia” mostra que os autores têm em mente um problema claro: o capitalismo. Um sistema baseado na exploração, dominação e colonização não apenas monetária, mas também do desejo! Trata-se então de uma dominação dos fluxos do inconsciente! Deleuze e Guattari compreendem que a análise da produção de subjetividades, incluindo o complexo de Édipo, precisa passar por uma crítica radical do atual modo de vida capitalista. O objetivo é levar Édipo e o capitalismo ao deserto e criar novos modos de relações. A esquizofrenia mostra-se então como um processo capaz de afastar-se do modo neurótico, torna-se então a resposta dos autores que permite desedipianizar a subjetividade e as instituições. Deleuze e Guattari escrevem o “Anti-Édipo” para confrontar o capitalismo como máquina de produção de subjetividade e encontrar saídas novas e criativas.

“Todo delírio é social”

Ou seja, a esquizoanálise inverte a tese freudiana da família como constituinte de campo social para afirmar que o social se rebate dentro do seio familiar. Há toda uma crítica ao processo capitalista que consiste em recalcar a produção desejante, através do desenvolvimento forçado do complexo de Édipo, impossibilitando a constituição de outros modos de vida mais potentes; através da transferência e das identificações, o desejo é impedido de criar e cai sempre no triângulo edípico: papai-mamãe-filho.

Para isso, o capitalismo precisa reprimir os corpos, logo na infância, impedindo-os de experimentarem. Para os autores, o problema de nossa sociedade está em reduzir o indivíduo ao modo neurótico de vida, infeliz, empobrecido, afastando-o de sua capacidade de criar uma vida intensa. Deleuze e Guattari se perguntam: é possível organizar a sociedade de outra maneira? Claro que sim, outros formas de vida são inclusive expostas no livro, mas isto é possível apenas quando se instauram agenciamentos completamente novos, com outros afetos, outros corpos, outras subjetividades. É mais do que necessário destruir as relações de exploração vigentes.

Eis que voltamos à questão da esquizoanálise! Não se trata, como podemos perceber, de uma nova receita psicológica ou psicossociológica, mas de uma prática micropolítica que só tomará sentido em relação a um gigantesco rizoma de revoluções moleculares, proliferando a partir de uma multidão de devires mutantes: devir mulher, devir criança, devir velho, devir animal, planta, cosmos, devir invisível… – tantas maneiras de inventar, de ‘maquinar’ novas sensibilidades, novas inteligências da existência, uma nova doçura”

– Guattari, Revolução Molecular

O Esquizoanalista

Desta forma, cabe ao esquizoanalista interferir nas máquinas desejantes possibilitando assim a retomada na produção de realidade. “O esquizoanalista não é um intérprete, ainda menos um diretor de teatro, ele é um mecânico, micromecânico” (Deleuze, Anti-Édipo). Esta abordagem é extremamente funcionalista, não se pergunta mais “o que isto significa?”, mas sim “para que isso serve? Como posso tirar mais potência disso?”. O Anti-Édipo não procura disputar narrativas e interpretações, ele age na forma de um mecânico que aperta e solta as engrenagens do desejo.

Neste ponto, vemos que a esquizoanálise não diz em que mundo devemos viver nem como o mundo deveria ser; isto porque o desejo quer a si mesmo, ele já é revolucionário por si só, não está esperando por algo para realizar-se. A proposta da esquizoanálise não passa por um programa político, nem por um partido, nem por ideologias. Se a filosofia não funciona descolada dos problemas a esquizoanálise se pergunta o tempo todo: onde a psicanálise deu errado? Ou seja, ela consiste apenas em apontar que as coisas vão mal na psicanálise e abrir caminhos para uma possível alternativa.

A esquizoanálise tem um único objetivo, que a máquina revolucionária, a máquina artística, a máquina analítica se tornem peças e engrenagens umas das outras”

– Deleuze, Conversações

Para ilustrar nossa série, escolhemos os trabalhos de Jean Tinguely

As 3 Tarefas

No final do livro, O Anti-Édipo apresente as três tarefas que se propõe, sendo a primeira negativa e as outras duas positivas:

  • Destruição do “Eu normal”: esta tarefa consiste em desorganizar as máquinas desejantes que foram organizadas pelo socius. Encontrar outros caminhos para elas, para que se tornem revolucionários. A intenção desta tarefa é desneurotizar o indivíduo, desfazer, desreprimir,pois é desta maneira que ele se encontra afastado do que pode. Sua vida está entorpecida por édipo, por ideias que lhe foram impostas, e ele apega-se à identidade, pois esta lhe dá conforto. É aqui onde o desejo ainda é sentido como falta porque o indivíduo não consegue apropriar-se dele, não consegue criar, apenas reproduzir, seguir modelos pré-concebidos;
  • Descobrir suas máquinas desejantes: aqui se apresenta a primeira tarefa positiva, que consiste em fazer o desejo retomar o que é dele. Através da reorganização das máquinas desejantes, o indivíduo torna-se capaz de criar territorialidades novas, onde o desejo passa a funcionar de maneira mais potente. Descobrir suas máquinas desejantes é torna-se nômade, preocupado mais em sentir do que interpretar. Esta tarefa está diretamente relacionado com a capacidade de produzir a si próprio, aumentar a própria potência, criar para si um corpo sem órgãos;
  • Quatro teses da Esquizoanálise: a última tarefa tem como objetivo reorganizar o campo social pelas máquinas desejantes. Esta tarefa consiste em inserir o corpo individual reorganizado como peça da máquina social, fazendo cair o que deve cair e mantendo o que deve manter-se.  Aqui a esquizoanálise encontra o ambiente político, pois o revolucionário remaneja o social, criando uma prática micropolítica que sujeita as máquinas molares (grandes máquinas sociais) ao desejo molecular (revolucionário).