Capitalismo e Esquizofrenia
O subtítulo “Capitalismo e Esquizofrenia” mostra que os autores têm em mente um problema claro: o capitalismo. Um sistema baseado na exploração, dominação e colonização não apenas monetária, mas também do desejo! Trata-se então de uma dominação dos fluxos do inconsciente! Deleuze e Guattari compreendem que a análise da produção de subjetividades, incluindo o complexo de Édipo, precisa passar por uma crítica radical do atual modo de vida capitalista. O objetivo é levar Édipo e o capitalismo ao deserto e criar novos modos de relações. A esquizofrenia mostra-se então como um processo capaz de afastar-se do modo neurótico, torna-se então a resposta dos autores que permite desedipianizar a subjetividade e as instituições. Deleuze e Guattari escrevem o “Anti-Édipo” para confrontar o capitalismo como máquina de produção de subjetividade e encontrar saídas novas e criativas.
“Todo delírio é social”
Ou seja, a esquizoanálise inverte a tese freudiana da família como constituinte de campo social para afirmar que o social se rebate dentro do seio familiar. Há toda uma crítica ao processo capitalista que consiste em recalcar a produção desejante, através do desenvolvimento forçado do complexo de Édipo, impossibilitando a constituição de outros modos de vida mais potentes; através da transferência e das identificações, o desejo é impedido de criar e cai sempre no triângulo edípico: papai-mamãe-filho.
Para isso, o capitalismo precisa reprimir os corpos, logo na infância, impedindo-os de experimentarem. Para os autores, o problema de nossa sociedade está em reduzir o indivíduo ao modo neurótico de vida, infeliz, empobrecido, afastando-o de sua capacidade de criar uma vida intensa. Deleuze e Guattari se perguntam: é possível organizar a sociedade de outra maneira? Claro que sim, outros formas de vida são inclusive expostas no livro, mas isto é possível apenas quando se instauram agenciamentos completamente novos, com outros afetos, outros corpos, outras subjetividades. É mais do que necessário destruir as relações de exploração vigentes.
Eis que voltamos à questão da esquizoanálise! Não se trata, como podemos perceber, de uma nova receita psicológica ou psicossociológica, mas de uma prática micropolítica que só tomará sentido em relação a um gigantesco rizoma de revoluções moleculares, proliferando a partir de uma multidão de devires mutantes: devir mulher, devir criança, devir velho, devir animal, planta, cosmos, devir invisível… – tantas maneiras de inventar, de ‘maquinar’ novas sensibilidades, novas inteligências da existência, uma nova doçura”
– Guattari, Revolução Molecular
O Esquizoanalista
Desta forma, cabe ao esquizoanalista interferir nas máquinas desejantes possibilitando assim a retomada na produção de realidade. “O esquizoanalista não é um intérprete, ainda menos um diretor de teatro, ele é um mecânico, micromecânico” (Deleuze, Anti-Édipo). Esta abordagem é extremamente funcionalista, não se pergunta mais “o que isto significa?”, mas sim “para que isso serve? Como posso tirar mais potência disso?”. O Anti-Édipo não procura disputar narrativas e interpretações, ele age na forma de um mecânico que aperta e solta as engrenagens do desejo.
Neste ponto, vemos que a esquizoanálise não diz em que mundo devemos viver nem como o mundo deveria ser; isto porque o desejo quer a si mesmo, ele já é revolucionário por si só, não está esperando por algo para realizar-se. A proposta da esquizoanálise não passa por um programa político, nem por um partido, nem por ideologias. Se a filosofia não funciona descolada dos problemas a esquizoanálise se pergunta o tempo todo: onde a psicanálise deu errado? Ou seja, ela consiste apenas em apontar que as coisas vão mal na psicanálise e abrir caminhos para uma possível alternativa.
A esquizoanálise tem um único objetivo, que a máquina revolucionária, a máquina artística, a máquina analítica se tornem peças e engrenagens umas das outras”
– Deleuze, Conversações