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Ao longo de toda a sua obra, Bergson fará uso de um dualismo para mostrar que, de direito, existem duas maneiras de apreender a realidade, mesmo que tudo se encontre sempre misturado. 

A primeira maneira de compreender a realidade é através do método analítico, ferramenta da ciência, usada pela inteligência, própria para os objetos no espaço. A segunda maneira de apreender a realidade é através do método intuitivo, ferramenta da filosofia, usada pelo pensamento, própria para formular problemas no tempo. O segundo método foi aprimorado por Bergson e é a base de sua filosofia.

A experiência sempre se apresenta para nós então de dois modos diferentes: objetivo/espaço/quantitativo ou subjetivo/consciência/qualitativo, o primeiro faz parte das ciências positivas, o segundo faz parte da filosofia.

Método Analítico

A Ciência busca a previsibilidade e a medição de seus objetos de estudo. Ela parte da ideia de abstrair e generalizar. Para isso faz uso de induções, juízos e raciocínios. Isso é ótimo, porque este tipo de pensamento é extremamente útil para nossa vida prática. 

Mas para fazer isso, o método objetivo precisa que o objeto se paralise no tempo, para poder olhá-lo com calma. “Onde estava o objeto no segundo 1,5?“, “Qual era o espaço percorrido depois de 10s?“, “Qual a sua velocidade ao passar pelo ponto X?”. Há sempre um observador com uma régua nas mãos. E há sempre uma tradução em símbolos: metros, minutos, graus, hertz, etc.

A Análise é o método pelo qual traduzimos o objeto para elementos já conhecidos e que o igualam a outros iguais a ele. Este método precisa isolar as variáveis para apreender o objeto na sua maior simplicidade possível, e, para isso, faz uso contínuo de símbolos para representar aquilo que estuda.

O problema é que o método Analítico foi usado pela filosofia com a intenção de pensar de forma segura e certa. Infelizmente, fazendo isso, condenou-se a submeter-se ao pensamento científico. Descartes e muitos outros caíram nesta armadilha, pensando levar a filosofia um passo adiante, mas acorrentando-a ao pensamento científico.

Existem coisas que a ciência não pode medir, dirá Bergson. O método analítico dá voltas em torno do objeto, para vê-lo por completo, mas permanece sempre com a perspectiva do exterior, na superfície. Para ultrapassá-la, precisamos do método intuitivo, que mergulha de cabeça no interior de seu objeto.

– Fabian Oefner

Método Intuitivo

A intuição é o método do bergsonismo”

– Deleuze, Bergsonismo

Para apreender a realidade movente das coisas, Bergson precisa de um método novo, pois o anterior não dá conta desta realidade. O filósofo francês quer restituir ao pensamento a sua mobilidade, dar-lhe dignidade ontológica livre de categorizações.

Enquanto o método analítico apreende a descontinuidade dos movimentos, os quais precisam sempre se dividir em partes menores e iguais, a intuição é capaz de perceber a fluidez própria e contínua da duração do real. 

Bergson insiste que o filósofo pense com o método intuitivo, mas sempre acontece uma coisa estranha na filosofia. Por não conseguir dar conta do movimento real, o filósofo se sente compelido a criar um ponto de referência externo à realidade, para assim compreender o movimento aqui neste plano. Ou seja, é comum a filosofia abdicar de seu método intuitivo e adotar o método da ciência.

Bergson acusa Platão de ser um dos maiores exemplos desta desistência. Para dar conta da realidade tomou como referência o mundo estático das ideias! Procurou na filosofia algo para além do movimento! Desta maneira achava que estava fazendo filosofia, mas estava se afastando dela. Não surpreende que, desta maneira, os filósofos sejam acusados de viver no mundo das nuvens.

Isso acontece porque a intuição é difícil de ser expressa. Difícil, mas não impossível! A intuição é o movimento do real para o conceitos. E, seguindo este raciocínio, estes novos conceitos precisarão ser fluidos e flexíveis como a realidade da qual eles são feitos. Para isso faremos o movimento contrário do analítico, que parte do conceitual para a realidade. 

Aqui é preciso que o filósofo se torne mestre das palavras, um artista da metáfora, para conseguir dar conta de seu objetivo: expressar o móvel com ferramentas imóveis. O que isso quer dizer? Que a própria linguagem não está preparada para o método intuitivo e o filósofo precisa torcer a linguagem para expressar aquilo que quer dizer.

Mas esta diferença de método pode ser facilmente compreendida com um exemplo: é diferente conhecer uma cidade através de fotografias e mapas ou vivendo nela. São duas experiências absolutamente diferentes, na primeira nós temos referências de fora, uma fotografia tirada de uma perspectiva, um mapa olhando de cima, uma indicação de onde ir. Mas viver na cidade, habitar uma cidade, saber seus cheiros, suas experiências, suas intimidades é completamente diferente. 

Intuição é o método através do qual nos transportamos para dentro do objeto, afim de captar o movimento do real, resgatar sua essência temporal, com aquilo que ele tem de único e absoluto. Busca-se uma experiência sem intermediários, sem pontos de vista. Que não pode ser dividida.

E o que encontramos quando fazemos isso? Aquilo que há de mais íntimo nas coisas: a sua duração. Sim, para Bergson, a Duração constitui a essência da realidade! A mudança é imanente e fala por si só, não se refere a nenhuma realidade transcendente da qual ela é degradada ou devedora.

A intuição é preferível à inteligência porque apenas ela é capaz de captar a realidade em sua mobilidade criativa e contínua. O determinismo da inteligência não permite este processo. O mundo, na inteligência, é fechado, conduzido como um vagão em seu trilho, dando voltas e voltas em sua rota contínua. 

A intuição apreende a realidade em sua duração, que se acumula e nos força para fora dos trilhos, para novas rotas, como um feixe de luz que se abre enquanto segue seu caminho, como estilhaços de uma bomba que seguem em várias direções.

A intuição é o método definitivo de Bergson, ela consiste em pensar o universo como uma composição aberta, onde as coisas estão misturadas. Para apreender a magnitude da realidade, sua força e sua beleza, necessitamos dela.

Texto da Série:

Duração

Rafael Trindade

Autor Rafael Trindade

Quero fazer da vida o ofício de esculpir a mim mesmo, traçando um mapa de afetos possíveis.

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Paulo Victor
Paulo Victor
6 anos atrás

Queridos, não sei se vcs usam Kindle, mas não custa nada deixar a dica: encontrei um pack de 5 ebooks (em inglês) de Bergson na Amazon por menos de R$4. Vou deixar o link aqui.

The Henri Bergson Megapack: 5 Classic Non-Fiction Works in English Translation https://www.amazon.com.br/dp/B00KUXVJK2/ref=cm_sw_r_cp_apa_Sk4XBb432KYAW

Muito obrigado pelo trabalho de vocês, esse é o site onde mais gosto de entrar atualmente.

Rafael Lauro
Admin
Reply to  Paulo Victor
6 anos atrás

Muito obrigado! 🙂
Nós usamos sim, vou dar uma olhada!
Abraço!

Dário
Dário
6 anos atrás

Acreditava que a escolha de cada imagem a cada texto/post nascia da inteligência, mas pelo visto nasce da intuição. Rs
Ps: sempre acuradas!

Marina Gomes
Marina Gomes
6 anos atrás

Caramba! Que texto! Parabéns. E obrigada.

Diana N.
Diana N.
5 anos atrás

Adorei o texto!

David Cesar
David Cesar
1 ano atrás

Espetacular essa série.

Fátima Benetton
Fátima Benetton
Reply to  David Cesar
19 dias atrás

Muito bom!