Muito se fala das semelhanças e diferenças entre Nietzsche e de Schopenhauer, eles estão o tempo todo justapostos e sobrepostos. É mais comum vermos pessoas salientando suas semelhanças, principalmente o pessimismo e o niilismo. Para quem não conhece, ele às vezes se tornas sinônimos. Bom, neste texto, temos o objetivo de fazer o contrário: mostrar algumas diferenças e aguçar a curiosidade para pesquisas futuras.
Nietzsche descobriu Schopenhauer ainda na universidade aos vinte e um anos, por acaso, numa livraria. Comprou “O Mundo Como Vontade e Como Representação” e apaixonou-se instantaneamente por sua filosofia: sem deus, sem providência divina, apenas uma vontade cega e insaciável. Wagner e Schopenhauer foram suas maiores influências durante a juventude.
Mas nem tudo são flores, Nietzsche se afasta de Schopenhauer ao longo de sua vida, e até mesmo chega a fazer-lhe severas críticas (como era seu costume a todos aqueles que um dia admirara). Dentre as divergências, para maior didática, podemos separá-las em categorias:
Vontade
Em Schopenhauer, apenas Vontade: cega, insaciável, inquieta. A coisa-em-si de Kant, a resposta para todos os enigmas. A Vontade é auto-discórdia, uma fome eterna que alimenta-se de si mesma. Como nunca pode ser satisfeita, ela é a causa de toda a dor; como não tem finalidade, ela nunca encontra a paz. Nietzsche se apropria deste conceito tornando-o múltiplo: vontade de potência é a potência que quer a si mesma, é uma vontade de lutar, combater, é a definição do guerreiro e do artista (já expusemos este conceito em outro momento, clique aqui).
O ponto sobre o qual incide a ruptura de Nietzsche com Schopenhauer é preciso: trata-se justamente de saber se a Vontade é una ou múltipla” (Deleuze, Nietzsche e a Filosofia).
Dor
A dor é algo inevitável nos dois filósofos, mas é importante notar o uso que cada um faz dela. Schopenhauer a considera a substância absoluta da existência, a raiz de onde tudo cresce, vivemos mergulhados na dor para ter apenas alguns limitados momentos de prazer. Daí a conhecida comparação schopenhaueriana com o pêndulo:
É necessidade, carência, logo, sofrimento, ao qual consequentemente o homem está destinado originariamente pelo seu ser. Quando lhe falta o objeto do querer, retirado pela rápida e fácil satisfação, assaltam-lhe vazio e tédio aterradores, isto é, seu ser e sua existência mesma se lhe tornam um fardo insuportável. Sua vida, portanto, oscila como um pêndulo, para aqui e para acolá, entre a dor e o tédio (Schopenhauer, Mundo Como Vontade e Como Representação, § 57).
Já Nietzsche encontra algo que justifica a dor, a própria vida: “a existência parece bastante santa por si mesma para justificar por acréscimo uma imensidade de sofrimento” (Nietzsche, Fragmentos Póstumos). Não cabe a nós julgar a dor, ela é parte do pacote e devemos aprender a transformá-la em nosso combustível. Não se pode conquistar grandes coisas sem a dor (Epicuro sabe bem disso, veja aqui). É daí que vem a famosa frase, “da escola de guerra da vida: o que não me mata, torna-me mais forte” (Nietzsche, Crepúsculo dos Ídolos).
Arte
Seguindo esta lógica, cada filósofo também chega a uma definição de arte que envolve os outros conceitos. Para Schopenhauer a vida é sofrimento, algo insuportável, pesado demais. A única saída é o asceticismo, dos budistas e dos santos, ou a arte. Pela contemplação estética temos a possibilidade de escapar da dor. Olhar o mundo à distância, esquecê-lo por alguns minutos de prazer estético. Um lenitivo, um bálsamo, um calmante para os desgostos e infortúnios da existência. Nietzsche segue o caminho oposto, a arte é a afirmação da vida e só é útil se puder intensificá-la:
Toda arte, toda filosofia pode ser vista como remédio e socorro da vida em crescimento ou em declínio: elas pressupõem sempre sofrimento e sofredores. Mas existem dois tipos de sofredores, os que sofrem de superabundância de vida, que querem uma arte dionisíaca, e desse modo uma perspectiva trágica da vida – e depois os que sofrem de empobrecimento de vida, que requerem da arte e da filosofia silêncio, quietude, mar liso, ou embriaguez entorpecimento, convulsão. Vingança sobre a vida mesma – a mais voluptuosa espécie de embriaguez para aqueles assim empobrecidos!” – Nietzsche, Nietzsche contra Wagner.
Vida
Podemos explicar a visão que Schopenhauer tem da existência usando uma anedota que ele próprio contava: imagine que se pudesse bater nas lápides dos cemitérios e perguntar às almas que tranquilamente descansam se estas querem voltar à vida, certamente que elas responderiam negativamente pois finalmente encontraram seu descanso eterno. Não vale a pena viver: as felicidades não pagam as dores, por isso os mortos preferem continuar onde estão. Já para Nietzsche a terra é a única verdade, única salvação: afirmada em seu máximo mesmo com todas as dores, um eterno prazer em existir e uma confiança no devir. “Minha fórmula para a grandeza do homem é amor-fati” (Ecce Homo, Por que sou tão esperto, §10). Isso significa que quanto mais o homem é capaz de afirmar aquilo que lhe acontece, mais forte ele se torna para encarar o presente.
Niilismo
Para Schopenhauer, a falta de finalidade da natureza é insuportável. O homem, por ser a forma de vida mais complexa e bem acabada, tem acesso a todo sem-sentido da existência. Não vale a pena viver porque uma vontade satisfeita rapidamente se torna tédio e é substituída por outra vontade. A vida é sofrimento. O homem schopenhauriano não consegue aceitar a realidade, sua saída é a calma contemplação do espetáculo do mundo, abdicando de toda Vontade. Posteriormente, Nietzsche faz um rigoroso estudo de Schopenhauer neste quesito. Ele chama a filosofia de seu predecessor de “niilismo passivo” e desenvolve uma psicologia do homem ressentido neste quesito. Nietzsche procura reabilitar o “niilismo passivo” transformando-o em “niilismo ativo”, as tormentas do niilismo anunciam a grande saúde. O mundo não tem sentido? Tanto melhor, só assim o homem forte, potente, pode criar valores. O além-do-homem criado por Nietzsche é aquele que se alimenta do niilismo para criar seus próprios valores.
É muito importante salientar que esta exposição e as diferenças em questão não trazem a resposta de quem está certo e quem está errado – os dois concordariam neste ponto: não é uma problema de qual filosofia é verdadeira e qual é falsa -, são apenas dois modos de interpretar o mundo. Toda filosofia esconde uma biografia, um modo de vida. Os dois nasceram em momentos diferentes e tiveram vidas diferentes, logo, cada um olhava o mundo à sua maneira. Nem cabe a nós escolher uma ou outra, não é preciso cair no dogmatismo, apenas entender as diferenças filosóficas e desfrutar a beleza que cada uma tem a oferecer.
Adorei seu blog, parabéns! Aproveito para lhe perguntar o que você leria para estudar a democracia grega??? Pode ser em inglês, português ou francês. Pode ser mais de 01 livro. Obrigada!
Não sou um grande conhecedor da democracia grega. Acho que procuraria primeiramente no “História da Filosofia 1” da Marilena Chauí, outra boa opção da mesma autora é o “Convite à filosofia”.
É um tema muito abordado, então cuidado para não achar ler qualquer coisa sobre o assunto rodando pela internet, mas certamente têm coisas boas.
recomendo a “paideia”, do werner jaeger, é provavelmente o livro sobre os gregos mais conceituado dos últimos anos… verdadeira bíblia do mundo helênico.
Moses Finley: Os Gregos Antigos.
Livro fácil de ser encontrado em sebos, e de boa qualidade. Traça uma boa base de conhecimentos para os estudos da antiguidade clássica em seus diversos períodos.
Realmente, muito esclarecedor e intrigante. Ambos os filósofos são de uma grandeza imensurável (: Estão de parabéns!
p.s.: o niilismo seria, então, a negação da moral ou a negação e renúncia, ao mesmo tempo, dela? Sugiro um post somente sobre o assunto, seria muito interessante (:
É uma boa ideia, resumidamente podemos dizer que Schopenhauer acredita em uma ética baseada na compaixão; já Nietzsche, sabemos de seu desprezo pela moral…
Diria que nestes autores existe relação entre moral e niilismo. Uma das causas do niilismo pode ser a constatação da inexistência da moral absoluta, mas a renúncia nietzschiana de qualquer moral, instaurada como tal, está intrinsecamente relacionada com a sua afirmação do valor criado.
Nietzsche expõe o niilismo como uma desesperança com relação ao mundo real, aliada á incredulidade no devir, ou seja, a vida de hoje na qual o indivíduo é inserido não vale a pena ser vivida e a vida ideal projetada pelo mesmo é impossível. Daí a negação da existencia, o niilismo. Para Nietzsche o niilismo passivo decorrente disso, leva inevitavelmente ao eterno retorno, obstáculo na busca da superação do homem. A moral, como implacável amarra que ata os braços dos homens é um dos fatores que torna a vida insuportável e mina o interesse no devir. Por tanto, na minha… Ler mais >
Jonathan…. interpreto um pouco diferente os conceitos em Nietzsche.
A moral serve como máscara para esconder que não há força nenhuma.
O homem fraco diz “se não fosse a moral, nos mataríamos um ao outro…”, mas isso é mentira, a moral foi inventada pelos escravos para esconder que na verdade já não há força nenhuma (caso contrário, não necessitariam da moralidade).
Entendo o eterno retorno como uma das ferramentas que Nietzsche oferece para escapar do niilismo passivo (que se segue após a constatação da morte de Deus) e entrar no niilismo ativo, criação de valores.
Concordo amigo, com relação ao eterno retorno, confesso que ao reler o conceito, percebi meu equívoco. Quanto a definição de Niilismo, retirei da obra ” vontade de potência II”.
prefiro SCHOPENHAUER, acho que o pensamento de NIETZSCHE é muito guiado pelas emoções, pelos sentimentos, eu prefiro algo mais frio, mais pessimista. vi que tenho baixa auto-estima e tendendia ao ascetismo. acho que tenho que continuar me isolando socialmente e desistindo da vida grande, das ambições, das mulheres etc. as vezes eu sinto muito ódio mas vejo que o ódio só vai me levar pra prisão., entao prefiro o ascetismo
Excelente!!!
Muito bom, parabéns pela tese, ajudou bastante.
nunca gostei e não gosto de Nietzsche. gosto do pessimismo, e SCHOPENHAUER -A SABEDORIA DA VIDA, o melhor livro que já li. ao longo da vida percebi que, quanto mais efusivo, agitado, empolgado eu fui em determinadas épocas da vida, mais covarde eu fui, em mim há uma ligação entre essas duas coisas, por isso sempre achei insuportável a convivência social com qualquer pessoa.
Adorei esa frase que vc colocou sobre você:
Artesão de mim, habito a superfície da pele, atento para o que entra e sai.
xD
Ótimo texto, maninho!
Muito interessante
Eu não ligo mais pra filosofia, nem sabedoria, nem religião nem nada. Tudo isso ta relacionado a sagitario, eu ja deixei isso de lado. Eu sou como peixes(não falo do signo do mes aqui). Prefiro sentir, em vez de filosofar, ou ser sabio. A sabedoria fez minha mente andar em circulos. A sabedoria é contraditoria dentro de mim. Tenho livros de schopenhauer mas pouco tenho vontade de le-los atualmente. Talvez compre algo de Nietzsche, mas só pra ler fantasiando, nunca levando a sério. Eu não preciso mais ser sábio. Todas as respostas tão dentro de mim. Pra mim basta sentir,… Ler mais >
foda vir fazer trabalho de escola e me deparar com o guitarrista do mayhem kkkkk