“Quanto mais amor faço, mais quero fazer revolução. Quanto mais revolução faço, mais quero fazer amor”
Uma vida talvez seja a soma dos problemas os quais nos dedicamos a responder. Se assim for, resta talvez pouca coisa mais interessante do que pensar o amor. Não por sua altiva sacralidade, mas por sua intensa presença. Dedicar-se ao amor é cuidar das relações como quem conversa com as plantas: elas não respondem, mas a relação certamente se qualifica em um campo de afetos mais amplo.
Antes de começar, é preciso desfazer alguns mal entendidos. Primeiro, anarquia é um termo que suscita muitas contradições e, mais do que nunca, devido às diversas capturas que sofreu, este nome precisa de explicação. Para nós, anarquia refere-se simplesmente ao esforço pela horizontalidade, no sentido em que toda autoridade é questionada em sua própria capacidade de se colocar enquanto tal. É sempre bom lembrar, anarquia não é bagunça, não é a ausência de regulação, é uma busca por uma dinâmica própria às relações.
Assim sendo, anarquia relacional é a tentativa de relacionar-se sem a mediação de um princípio exterior à própria relação. Isso traduz-se no cuidado em se colocar sempre lado a lado aqueles com quem nos relacionamos, isto é, reivindicar a autonomia dos envolvidos, deixando o governo para os que desejam ser governados. Estamos falando de amor. Se parece política, é porque é.
Uma forma de amar que recusa ser mediada por formas preestabelecidas socialmente se converte diretamente em um questionamento da moralidade: a família patriarcal e seus valores burgueses. Ao resgatar o amor da noção de propriedade, estamos inventando um modo micropolítico de nos relacionar. Ao pensar um conceito de amor como alegria-mútua, estamos buscando uma fundação afetiva mais interessante para as nossas vidas em sociedade.
Segundo, há tantas formas de amor quanto maneiras de amar. O amor é a simples derivação de uma alegria e se apresenta de forma bastante concreta, ainda que fruto de abstrações. Colhemos uma alegria prontamente e a identificamos com alguém, ainda que não saibamos dizer exatamente porquê. É cotidiano como um entrecruzar desconhecido e raro, como uma carta cuidadosamente redigida ao longo dos anos.
Sim, o amor é real como um tijolo que nos cai sobre a cabeça, deixando-nos deliciosamente desnorteados. Incontestável como é, não pode ser visto como nada mais do que necessário. Se é tão elementar, porque as sempre recorrentes dificuldades desse afeto? Ora, amar é colocar-se nas mãos de outrem, é abrir-lhes um espaço de grande intensidade, que é o da íntima relação. Amar é devir, e devir é abrir-se para algo que não se sabe bem o que é nem onde vai dar.
Terceiro, não partirmos de nenhuma fórmula pronta: poliamor, poligamia, relacionamento aberto, assim como monogamia, casamento, parceria – são possibilidades, não obrigações. Queremos que nossas relações sejam mais adequadas em relação aos nossos desejos, o que provavelmente significa que elas serão inadequadas da perspectiva da sociedade. Assim, podemos usar o nome que quisermos – principalmente para causar fissuras nos edifícios moralistas – mas com o cuidado de não sermos aprisionados por eles.
Em resumo, a anarquia relacional é uma prática de contestação da autoridade em função de uma ampliação das maneiras de amar que se recusa a partir de uma forma estática idealizada para além da própria relação. Nos textos que seguem propusemos princípios para uma anarquia relacional, com a intenção de facilitar o amor como alegria-mútua: