Nasce, em 15 de outubro de 1926, Paul-Michel Foucault, em Poittiers, França, no mesmo dia que Friedrich Nietzsche. Filho do meio (possuía uma irmã mais velha e um irmão mais novo) de pais médicos de classe média alta, Foucault faz seu jardim de infância e o primário no liceu Henri IV, na mesma cidade, até os dez anos. Aos onze anos, supreende seu pai, médico cirurgião respeitado, lhe dizendo que queria ser professor de história. Quando criança, Foucault era um ciclista entusiasmado e adorava jogar tênis, mas sua infância é marcada pela segunda guerra, pois em 1940 o exército alemão invade a frança e ele se desloca para uma propriedade familiar no interior da França.
Começa então o curso preparatório para entrar na Escola Normal Superior, onde ingressa (em quarto lugar) com vinte anos. São anos difíceis para o futuro filósofo, que se sente desconfortável com seu físico e sua orientação sexual, e tenta o suicídio mais de uma vez, sendo inclusive internado por seu pai e diagnosticado com depressão. Foucault já era sexualmente ativo ao final de sua adolescência, mas guardava segredo quanto à sua orientação homossexual, por ter medo de sua carreira ser arruinada por escândalos sexuais. Tinha o apelido de “Fuchs” (Raposa, em francês), por conta de sua grande inteligência e seu corpo esguio. É nessa época que ele faz amizades importantes com Paul Veyne e Pierre Bordieu. Era um estudante tímido e solitário, conhecido por suas piadas irônicas. Com 22 anos Foucault recebe sua licenciatura em Filosofia e, no ano seguinte, a licenciatura em Psicologia. Na época já era reconhecido como prodígio por Jean Hypollitte, Louis Althusser e Merleau-Ponty.
O começo do percurso intelectual de Foucault é influenciado por Heidegger, Husserl e Nietzsche. Lê Kafka, Kierkegaard, ingressa (e depois abandona) no partido comunista francês. Com 25 anos se torna professor auxiliar de psicologia na Escola Normal e no ano seguinte recebe seu diploma de Psicopatologia no Instituto de Psicologia de Paris. Decide então, através de Blachot e Bataille, se aprofundar na obra de Nietzsche. Nesta época, Foucault já trabalha muito, mas pouco com suas próprias ideias, e se sente cansado da pressão da academia, pensando em se mudar para outro país para ter mais liberdade.
Em 1957, Hyppolite lê o manuscrito do que viria a se tornar o “História da Loucura” e aconselha Foucault a mostrá-lo para Canguilhem. Com 34 anos volta para Paris, e conheçe um jovem estudante, Daniel Defert, que será seu companheiro até o final de sua vida. Residindo em Paris, cozinhava bastante e bebia em excesso, também gostava de dirigir seu Jaguar marrom em alta velocidade pelas da cidade. Nesta época, Foucault dá aulas na Faculdade Clermont-Ferrand e passa longas jornadas na Biblioteca Nacional trabalhando em sua duas Teses: “Gênese e Estrutura da Antropologia de Kant” e “História da Loucura”. Este último torna Foucault extremamente respeitado dentro da cena intelectual francesa por sua originalidade e ousadia. Neste livro, Foucault questiona o conceito de loucura e faz uma crítica bastante violenta às práticas psicológicas. Deste modo ele adquire grande reconhecimento e atrai a curiosidade dos pensadores por não ser facilmente enquadrado em nenhuma classificação (filósofo, sociólogo, historiador, estruturalista). Em outubro de 1965 vem pela primeira vez para o Brasil, na USP, convidado pelo filósofo Gerard Lebrun.
Nesta época também publica “O Nascimento da Clínica” e “As Palavras e as Coisas”, continuando aquilo que se tornaria conhecido por “Fase Arqueológica”. Seu esforço é de mostrar na história as descontinuidades e rupturas dos discursos para que, dessa forma, possamos ter uma perspectiva clara de como se deu a constituição de um campo de saber . Seus livros chamam a atenção por serem histórias críticas do pensamento, sem ceder para nenhuma moda intelectual: Foucault não é estruturalista, nem marxista, nem psicanalista. Em Paris, ele trava relações de amizade com Gilles Deleuze, Pierre Klossowski, Karl Lowith Gianni Vattimo, Jean Wahl e se aproxima ainda mais da filosofia de Nietzsche, ficando inclusive responsável pelas edições revisadas da obra do filósofo, que estava sendo revisitada e afastada das interpretações nazistas.
Em 1966, com 40 anos, Foucault realiza seu desejo e se instala na Universidade de Túnis, Tunísia, onde recebe, pela primeira vez, uma cadeira de Filosofia (e não de psicologia), e lá ficará por três anos. Por isso, quando estouram as manifestações de 68 na França (e posteriormente no mundo), Foucault fica preso na Tunísia. O governo se sente desconfortável com sua presença que incita os estudantes. A polícia tunisiana intimida Foucault para que ele deixe o cargo. Ele retorna para França onde participa da criação da Universidade Experimental de Vincennes. Foucault fica responsável pela escolha dos professores dos departamentos e a imprensa acusa a faculdade de ser o centro do pensamento esquerdista na França (o que não deixa de ser verdade).
Em 1969, publica “A Arqueologia do Saber”, que serve como fechamento de sua primeira fase e estrutura sua metodologia dos livros anteriores. Nesta época, Foucault viaja muito, principalmente para os Estados Unidos e Japão, mas também países da América Latina. No mesmo ano, a Cadeira de “História do Pensamento Filosófico”, ocupada até então por seu mentor Jean Hippolite, é renomeada como “História dos Sistemas de Pensamento”. Esta cadeira será ocupada por Foucault no ano seguinte (para sua vaga em Vincennes, ele indica Gilles Deleuze). Sua aula inaugural é publicada como título: “A Ordem do Discurso”. Sua conferência inaugural é um marco, considerado por alguns como um divisor de águas na obra do filósofo que está então com quarenta e quatro anos.
Doravante, toda quarta-feira, às 17:45, durante 13 sessões anuais, desenrolar-se-á um curso, cada ano um original, no qual serão exploradas as hipóteses e os materiais de seus livros futuros” – Foucault, Ditos e Escritos, p. 33
Em 1971, paralelamente, Foucault anuncia a criação do GIP: Grupo de Informação sobre as Prisões. Neste mesmo ano é convidado pela Fundação Holandesa de Televisão para o que ficou conhecido como famoso debate com Noam Chomsky sobre a questão da Natureza Humana. Este é o começo de uma virada em seu percurso intelectual, conhecido como Fase Genealógica. O objetivo do GIP era dar voz aos presos e encarcerados, mostrando as condições da prisão e ouvindo suas reivindicações. De 1970 a 1976, os cursos no College de France serão dedicados à compreensão da Sociedade Disciplinar, entre eles: Sociedade Punitiva, O Poder Psiquiátrico, Os Anormais. Até culminar numa das obras mais importantes e conhecidas de Foucault: Vigiar e Punir.
Em 1973, o filósofo francês retorna ao Brasil, para um ciclo de palestras na PUC-RJ, que serão publicadas com o título: “A Verdade e as Formas Jurídicas”. Se aproxima então do filósofo brasileiro Roberto Machado, responsável pela divulgação do pensamento de Nietzsche, Foucault e Deleuze no Brasil. Em 1975, Foucault conhece a Califórnia e se encanta, suas conferências atraem inúmeros estudantes. Fica entusiasmado com as comunidades Zen, a cultura hedonista, vegetariana, feminista e homossexual. Foucault amou lecionar nos Estados Unidos, lá pode experimentar vários novos tipos de drogas, além de frequentar clubes de sadomasoquismo e saunas gays. Retornando ao Brasil em seguida, escreve um texto criticando a morte do jornalista Herzog nas dependências da Polícia de São Paulo. Na época o Brasil estava sob o Ato Institucional nº5, e a Ditadura perseguia, torturava e matava inúmeros militantes e intelectuais brasileiros. Foucault inclusive relatou a impressão de ser seguido por agentes da ditadura e foi informado pela diplomacia francesa que estava sob proteção destes.
Em 1976, Foucault realiza o curso “É Preciso Defender a Sociedade”, onde testa a sua hipótese de que a guerra é a melhor maneira de compreender as relações de poder. O curso acontece excepcionalmente às 9:30 da manhã, para tentar dissuadir a enorme quantidade de estudantes que lotavam as cadeiras e corredores do College de France. Foucault era então um intelectual renomado e parte dos grandes nomes da filosofia.
Depois do mergulho no poder disciplinar através de suas várias perspectivas, Foucault pede à administração do College de France por um ano sabático. Por isso, a virada de 1976-77 é o único ano em que não temos um curso. Mas Foucault continua muito ativo. Viaja novamente para o Brasil, onde passa por Recife e Bahia, com Roberto Machado. Lança o primeiro volume do História da Sexualidade, Vontade de Saber, onde faz a crítica da hipótese repressiva, tão em voga nos anos 70. Depois de 1976 Foucault ficam 5 anos sem publicar, o que muitos interpretam como uma crise de seu pensamento, sempre se movimentando, mas a verdade é outra: Foucault havia assinado um contrato de exclusividade com a editora Gallimard, mas não queria mais publicar por ela, por isso seu silêncio. Em 1977 faz o prefácio da edição americana de O Anti-Édipo, mas devido alguma polêmicas, se afasta de Deleuze.
O ano de 1978 marca mais uma virada no pensamento de Foucault com o curso: “Segurança, Território e População”, onde o filósofo se desloca para a questão da Governamentalidade. Esta nova fase ficou conhecida como Biopolítica. Foucault se debruça sobre a questão da política liberal e neo-liberal. No ano seguinte, seu curso “Nascimento da Biopolítica” confirma as intenções de Foucault: compreender como a disciplina anda lado a lado com a condução das condutas das populações. A doutrina neoliberal é vista como uma racionalidade de estado que busca a competição e a concorrência de mercado, formando assim subjetividades voltadas para o capitalismo.
A partir dos anos 80, com 54 anos, Foucault muda novamente a orientação de suas reflexões e, com seu curso “O Governo dos Vivos”, dá início a sua última fase que ficou conhecida como Cuidado de Si. As reflexões sobre o dizer verdadeiro estão sempre presentes, mas agora voltam-se para a possibilidade e técnicas para um governo de si. Ou seja, Foucault faz o entrelaçamento perfeito entre o poder e as subjetividades. E dá a estas a possibilidade de recusa, resistência e contraconduta. Sua obra mais influente deste período é o curso “Hermenêutica do Sujeito”, de 1982. Foucault continua extremamente ativo politicamente durante esta época, mas sempre fazendo correr em paralelo suas obras intelectuais e sua militância política.
Durante toda sua vida Foucault recusou o título (que era de Sartre) de um intelectual que possuísse uma verdade a ser passada. Foucault não queria guiar ninguém com seu conhecimento, e seu engajamento político era apenas seu. Seu objetivo como intelectual era apenas ensinar as pessoas a refletirem sobre seu presente e as condições em que se encontravam. O pensamento crítico deveria apenas mostrar as rachaduras dos conhecimentos e das subjetividades, mas não indicar uma direção a ser seguida.
As técnicas de si levam Foucault ao conceito de Parresia, que marca seus últimos cursos: “Governo de si e dos outros”, de 1983 e “A Coragem da Verdade”, de 1984, onde estuda os filósofos Cínicos.
Em dezembro de 1983, Foucault realiza vários exames pulmonares profundos. No começo do ano seguinte, é tratado com antibióticos. Apensar de muito cansado, consegue realizar o curso no College de France e corrigir os manuscritos do segundo e terceiro volumes de História da Sexualidade: “Uso dos Prazeres” e “Cuidado de Si”, dedicados às práticas envolvendo a sexualidade na cultura Grega e Romana. Foucault se queixa de fraquezas e dores e vai regularmente ao médico no hospital Tarnier, mas não recebe nenhum diagnóstico conclusivo.
Junho, dia 3, Foucault passa mal e é hospitalizado por seu irmão, Denys, no hospital Saint-Michel, próximo de sua casa. Dia 9, é transportato para a Salpêtriére, no serviço de neurologia que ocupa as velhas instalações onde trabalhou Charcot. Dia 10, entra para o centro de tratamento intensivo” – Foucault, Ditos e Escritos, p. 70
De lá Foucault não sairia. No hospital, recebeu visitas de grandes amigos, inclusive Deleuze, e teve uma leve melhora, mas os antibióticos não foram capazes de conter a infecção no cérebro e ele morre no dia 25 de junho, às 13:15, com 57 anos. O jornal Le Monde anunciou sua morte na primeira página do jornal e Deleuze leu um trecho da introdução de “Uso dos Prazeres” em seu funeral. A pedido da família, os médicos declaram a causa do falecimento: complicações neurológicas. Posteriormente ficou-se sabendo que as complicações foram agravadas devido ao fato de Foucault ser soro positivo.