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Mamãe, como nascem as ideias?” – Pergunta Inadequada

– por Rafael Trindade e Augusto Viodres

Quando Sócrates andava pelas ruas de Atenas fazendo perguntas para seus concidadãos, ele se justificava dizendo que era um parteiro de ideias, tal como sua mãe exerceu a mesma atividade antes dele. Pois então cabe a pergunta: como nascem as ideias? Por que a mortalidade de ideias é tão alta hoje? Como fazer o devido pré-natal e cuidar para que elas não morram antes de atingir a vida adulta? Que se torna a ideia, na vida adulta?

Se, tal como Deleuze disse, todo conceito nasce para responder a uma pergunta, a resposta para nossas perguntas está exemplificada no próprio ato de responder. Ora, precisamos de um conceito para dar conta destas questões: precisamos de um Berçário de Ideias!

Toda ideia nasce de um encontro. A mente é paralela ao corpo, ou seja, o ato de pensar está diretamente relacionado com o ato de viver, ser, agir, estar. Um corpo doente terá ideias doentes, um corpo sadio terá ideias sadias. O pessimismo de Schopenhauer nasce de seu encontro com o fim das guerras napoleônicas; a ideia de Pulsão de Morte nasce do encontro de Freud com seu câncer; a ideia de Eterno Retorno nasce do encontro de Nietzsche com as montanhas de Sils-Maria; as ideias de Anti-Édipo nascem do encontro de Deleuze e Guattari no pós-maio de 68.

Toda ideia nasce do encontro e, algumas delas, crescem e se desenvolvem em conceitos. Sendo assim, se o trabalho do filósofo é criar conceitos (veja aqui), a prática do filósofo é realizar encontros, vivências, para desenvolver e cuidar de ideias. Sócrates praticava a maiêutica, mas muitas vezes forçava o parto com um fórceps. Doía, era na hora errada, sangrava, traumatizava e algumas ideias morriam no parto. Nós queremos um parto humanizado de ideias: natural, se possível com uma dola ou duas, numa banheira, água morna, enfim, tudo a seu tempo. Da mesma forma que o bebê sabe a hora que quer nascer – naturalidade por vezes interrompida pela cesariana que o médico marcou – uma ideia também sabe a hora que quer vir à luz.

Somos filósofos, temos o desejo de ficarmos grávidos de ideias. Vamos ao médico fazer o pré-natal e vemos nossas ideias no ultrassom, ouvimos seu coração e nos emocionamos. E seu desenvolvimento se dá parte por parte, nunca uma ideia vem inteira: num dia é possível ver o pé, de algo que quer caminhar; no outro, pode-se ver as mãos e os dedos, que já apontam para alguma direção; em seguida, vê-se um confuso rosto, ainda sem identidade mas cheio de possibilidades. Dá vontade de chorar. Quando as ideias nascem, as deixamos no berçário de ideias, junto com seus coleguinhas recém-nascidos.

Se os bebês humanos são os mamíferos mais dependentes na hora que nascem, necessitando de cuidado integral, reconhecemos que as ideias também precisam de toda nossa atenção. Limpamos seus pleonasmos, aparamos suas onomatopeias, perfumamos suas metáforas, abotoamos suas metonímias e amamentamos suas ironias. Toda ideia precisa de cuidado até atingir sua maioridade e viver por conta própria, provavelmente com outras ideias com que fez amizade enquanto crescia e que juntos se compõe e dialogam.

Cuidamos de nossas ideias com amor e carinho, como se fossem uma parte de nós. Mas não são! Elas brotam, apesar de nossa vontade. E nós, como filósofos em um berçário de ideias, apenas nos responsabilizamos deste bonito trabalho: com carinho e dedicação as alimentamos, as deixamos confortáveis para crescerem e seguirem seu rumo. No futuro, quem sabem, elas podem se tornar um conceito, uma fantasia, um projeto, um delírio, ou um simples haicai. Mas de uma coisa temos certeza, não abandonamos ideias na lixeira! Muito pelo contrário! Adotamos ideias dos outros e cuidamos das de nossos amigos no fim de semana. Admitimos até que, por vezes, mimamos demais as ideias, elas ficam gordinhas e rechonchudas.

Então, um belo dia, chega a hora da despedida. Um livro não é escrito para ficar fechado na estante, o mesmo vale para os conceitos que se desenvolvem das ideias que criamos com tanto amor e carinho. É nosso, esteve em nosso corpo por meses, os seguramos nos braços, investimos tempo e dinheiro, mas é também do outro. É preciso aprender a se separar. Cuidamos de uma ideia para dá-la, quando mais amadurecida, ao mundo. Cuidar é preparar-se para se separar. Dói, mas é o mais correto a se fazer.

Levar a potência de uma criação conceitual ao máximo é a função do Berçário de Ideias. Olhar, trocar sua fralda, amamentá-la. É desta forma que uma ideia cresce em conceito e nos ultrapassa. É sempre um orgulho ver um conceito andar com suas próprias pernas. Não queremos que ideias morram ou cresçam fracas e desnutridas, temos horror ao pensamento fraco e desnutrido!

O Berçário de Ideias é nossa resposta para a alta taxa de mortalidade de ideias hoje. Em nossa página – resultado de uma ideia amadurecida e carinhosamente cuidada – você encontrará várias delas correndo pelos textos e brincado por aí, tão risonhas, cheias de energia, é uma alegria enorme. Muitas outras páginas são outros universos onde isso acontece, intercâmbios são possíveis, por que não? A internet é este grande Big Bang em expansão onde todos se situam. E nós somos apenas um pequeno sistema solar, dentro de uma galáxia de conceitos, que cria e cuida de ideias. É uma honra enorme e um indescritível prazer.

Rafael Trindade

Autor Rafael Trindade

Quero fazer da vida o ofício de esculpir a mim mesmo, traçando um mapa de afetos possíveis.

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AntimidiaBlog
9 anos atrás

Republicou isso em reblogador.

eudigosempre
9 anos atrás

Republicou isso em Artilheiros do Brasil.

Milena Klinke
Milena Klinke
9 anos atrás

Fiquei imaginando o nascimento de ideias gêmeas, ou trigêmeas! Seria difícil, não? Mas bonito! =)

Milena Klinke
Milena Klinke
9 anos atrás

Siiim! Se souber de algum caso desses, me conte! 😉

Johnny
Johnny
9 anos atrás

Boa analogia!

Pelotas Occulta
9 anos atrás

Republicou isso em PELOTAS OCCULTA.

O Caminho do Canto
8 anos atrás

veja que bela ideia compor um texto como esse… imagina que desastre não ter havido alguém que idealizasse esse texto? fico pensando em todas as grandes ideias que me emocionaram, que me salvaram, que me legitimaram, formaram, orientaram. Sim, nós também somos criaturas das ideias. Elas também nos gestaram, não é? Gratidão mais uma vez, meninos! E um fértil 2016, alegre de ideias!!! 🙂

Marisa de Azevedo Cruz
Marisa de Azevedo Cruz
3 anos atrás

De idade, sou uma velha senhora. De curiosidade, sou alguém sempre à procura de.
Encontrei vocês numa dessas andanças pela internet, tentando achar algo que não sei definir o que seja: um incessante desassossego, que já me levou por muitas encruzilhadas e atalhos, que já me fez mudar de rumo muitas vezes durante a existência. Adorei o texto “berçário de ideias “. Quem sabe eu encontre aqui o que venho procurando?