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A coragem é uma das quatro virtudes estoicas. Na verdade, ela é uma virtude antiga em geral. Platão e Aristóteles, por exemplo, falam dela na República e na Ética a Nicômaco, respectivamente.

Andreia (ἀνδρεία), em grego, significa coragem. Ela é uma das características dos Sábios e Virtuosos, ou seja, é condição necessária para se atingir a excelência (Aretê, ἀρετή ).

Coragem, coraticum do Latim, é uma palavra relativa ao “coração”. Coração, coeur, cuore, corazón. Isso porque o radical ‘cor’, que dá origem, por exemplo à palavra em inglês, core, significa o centro, o núcleo. O coração seria então o núcleo de quê? Ora, das emoções.

Para Platão e Aristóteles, o coração é a sede das emoções e coragem significa a ação do coração. O coração é a força para enfrentar os perigos do mundo. Mas ao mesmo tempo, esta força precisa ser regulada. Para Platão e Aristóteles, esta regulação é feita pela Razão. O excesso de força do coração se torna ira, cólera, emoção demais; a falta de força no coração se torna medo, pusilanimidade, emoção de menos.

Por isso também podemos trazer a palavra magnânimo, que do Latim significa ânimus, e magno significa “alma, espírito, vida”. Ou seja, magnânimo é aquele que tem uma alma forte, robusta, para enfrentar as dificuldades.

O pensamento estoico segue na mesma direção. O sábio estoico valoriza a coragem porque segundo a Disciplina do Desejo, há coisas que estão em nosso poder e precisamos avaliá-las bem, mas há muitas outras coisas que definitivamente não estão em nosso poder, e para estas, temos que ter coragem, sendo magnânimos.

O exemplo mais citado é do estoico no navio em meio à tempestade. Quando o céu se fecha e os ventos começam a soprar, qual é a primeira reação do estoico? Medo, claro! Afinal, o estoico é um ser humano, ele treme diante do perigo igual a qualquer outra pessoa.

O medo é uma reação automática que não podemos controlar. Mas o que o estoico pode fazer? Ele pode enfrentar o acontecimento com coragem! Aliás, ele não precisaria ter coragem se não sentisse medo.

A coragem é a capacidade de habitar este mundo, estar nele, encará-lo. Segundo a Física estoica, o acontecimento ama ocorrer, ele quer ocorrer. Cabe a nós aceitar a afirmação do mundo e procurar nos afirmar também no acontecimento.

Reparem, é um movimento duplo: afirmamos a afirmação da natureza e afirmamos a nós mesmos. Amamos a natureza que ocorre porque ela é a ocasião para agirmos, é para isso que precisamos de um grande coração: para grandes acontecimentos!

É muito diferente daqueles que ficam presos no acontecimento. O covarde é carregado pelo medo, o acontecimento carrega suas sensações e ele não consegue enfrentá-lo. A coragem estoica começa com: “sim, isso está acontecendo”, mas passa imediatamente para “como posso misturar-me o melhor possível com este acontecimento? Quais virtudes tenho?”

Reparem também como essa aceitação está distante da resignação imputada aos estoicos! Isso é muito importante. A aceitação estoica é apenas o primeiro momento. Tudo está determinado, tudo deveria acontecer exatamente como aconteceu. O que vem logo em seguida cabe a nós.

E aqui está o equilíbrio que deve ser encontrado. Cabe a nós o quê? Alguns acontecimentos, nós temos força o bastante para enfrentar; outros simplesmente nos destruiriam. Devemos então fazer uma boa avaliação.

Coragem é enfrentar aquilo que podemos vencer e não enfrentar aquilo que não conseguiríamos vencer. Estas ideias foram extensamente aplicadas no campo militar de todas as culturas: se o inimigo é mais fraco, por que enfrentá-lo? Por vaidade? Se o inimigo é mais poderoso, por que enfrentá-lo? Por estupidez?

A ideia é encontrar o equilíbrio, a boa luta, a luta que vale a pena ser travada. Mas para que a luta seja boa, é necessária esta boa avaliação. Distinguir as lutas que valem a pena e as que não valem nosso esforço. 

“Se você conhece o inimigo e a si mesmo, não tema o resultado de cem batalhas. Se se conhece, mas não ao inimigo, para cada vitória sofrerá uma derrota. Se não conhece nem o inimigo nem a si, perderá todas as lutas” – Ditado oriental

Nietzsche criou um conceito que cabe perfeitamente aqui: amor fati. Apesar de Marco Aurélio nunca ter usado esta expressão (até porque as Meditações foram escritas em grego), ela expressa bem o que queremos dizer.

A fórmula para a grandeza, diz Nietzsche, é amor fati, não querer nada de outra maneira além da que foi. Nem para frente, nem para trás. Não simplesmente aceitar o inevitável, mas amá-lo. Ora, para isso é preciso muita coragem! Amar o mundo tal como ele é, esta é a beleza desta virtude. A diferença é: os estoicos pensam em um mundo ordenado por um ente divino, já Nietzsche pensa num caos de forças. Ou seja, onde os estoicos dizem um sim racional, Nietzsche diz um sim dionisíaco!

O sim racional e corajoso dos estoicos os afastam de Platão e Aristóteles. Este amor fati é impossível do ponto de vista de um mundo das ideias. Como amar este mundo imperfeito se supostamente existe um outro perfeito? Ora, os estoicos não caem nesta armadilha. Eles dizem um sim corajoso para este mundo.

Texto da série: Meditações – Marco Aurélio

Rafael Trindade

Autor Rafael Trindade

Quero fazer da vida o ofício de esculpir a mim mesmo, traçando um mapa de afetos possíveis.

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Guilherme
Guilherme
5 meses atrás

Que trabalho incrível o de vocês, muito obrigado.

Last edited 5 meses atrás by Guilherme