Numa esquina qualquer, o sentimento do absurdo pode bater no rosto de um homem qualquer. Tal como é, em sua nudez desoladora, em sua luz sem brilho, esse sentimento é inapreensível”
Camus, O mito de Sísifo
Nascido em 1913, Camus viveu o período da primeira guerra na Argélia, cresceu no período do entre-guerras e mudou-se para a França no começo da segunda guerra. Em 1942, estando a França ocupada pelos nazistas, ele publicou um dos seus livros mais famosos: “O Mito de Sísifo“. É o ponto de partida de uma filosofia que batalha para encontrar qual felicidade é possível aos contemporâneos de tão sombrios tempos. O pensamento torna-se o vigor de um corpo em luta, buscando o que afirmar, onde se apoiar, como existir frente às práticas hostis de um mundo em guerra consigo mesmo. Sob estas condições, existir é um contrassenso. Por isso o único problema filosófico sério é o suicídio: julgar se a vida vale a pena ou não.
Sempre se considera o suicídio como uma questão muito distante, colocada de lado por razões de coesão social. Camus encara a possibilidade de frente: trata-se de tomá-la no seu sentido mais individual, no nível do pensamento. Compreender qual a lucidez de um homem que se atira da janela, procurar qual a grande obra de um homem que atira em si mesmo. A consideração real de podermos nos matar é o que pode fortalecer de fato as nossas razões para viver. Nossa primeira grandeza será a de sabermos que vamos morrer.
“Começar a pensar é começar a ser atormentado”. Cada ideia é a constatação de um limite. Cada frase sabe-se um pouco constrangida. Cada gesto é já um pouco envergonhado. “Todo pensamento tem um começo ridículo”. Eis a condição da única racionalidade possível: saber que não há verdade onde descansar. Os sistemas de governo e as guerras fazem toda razão tropeçar. Viver sob o peso do século sem ter uma ferramenta que dê conta. Pensar sob o assalto de uma razão que sabe ser vacilante. Agir sem ter no que se embasar. Aí está o homem absurdo, um estrangeiro em um mundo sem deus.
Cenários desabarem é coisa que acontece. Acordar, bonde, quatro horas no escritório ou na fábrica, almoçar, bonde, quatro horas de trabalho, jantar, sono e segunda terça quarta quinta sexta e sábado no mesmo ritmo, um percurso que transcorre sem problemas a maior parte do tempo. Um belo dia surge o “por quê?” e tudo começa a entrar numa lassidão tingida de assombro”
Os deuses condenaram Sísifo a eternamente empurrar uma imensa pedra até o topo de uma montanha para depois vê-la cair. Donde logo nos perguntamos: se pudesse, Sísifo não se mataria? Qual o valor de uma existência de repetição ilógica? Como viver servindo a uma pena que não mereceu? Por que existir como condenado em um mundo cheio juízes sem lei? A estas perguntas Camus toma a mais afirmativa das posições: “É preciso que imaginemos Sísifo feliz“.
Esta série procura dar conta de conceitos que partem do absurdo como plano de imanência, como pano de fundo de uma filosofia da existência: