Ocupar-se consigo não é pois, uma simples preparação momentânea para a vida; é uma forma de vida”
– Foucault, Hermenêutica do Sujeito, p. 446
Um novo campo de estudos
Foucault, em seus últimos anos de vida se aprofundará no estudo dos dois primeiros séculos de nossa era. Ele mesmo chamou de época de ouro do Cuidado de Si. São livros, tratados, ideias, escolas filosóficas e pensadores que trataram de uma arte de viver, uma estética da existência que consistia em tomar sua própria vida como matéria a dar forma.
Os estoicos, Sêneca, Marco Aurélio, Epiteto, mas também os epicuristas e os cínicos, fazem partes dos estudos de Foucault sobre o cuidado de si. Médicos e filósofos gregos que se debruçaram sobre o ser humano para problematizá-lo em sua subjetividade, pensar o sujeito em sua maneira de constituir-se a si próprio enquanto corpo atravessado por forças.
O objetivo deste pensamento, grego e romano, é fazer o homem olhar para si mesmo, retornar a si. Portanto, “Cuidar de si” é dar conta de sua própria conduta para consigo e com os outros. O ponto de partida, para Foucault, é o Alcibíades de Platão, onde é possível ao mesmo tempo começar a distinguir uma pedagogia, uma maneira de fazer política e um foco no “conhecimento de si”. Mas vemos como esse pensamento logo evolui para uma pergunta muito mais fundamental: como viver de maneira ética? O campo da subjetividade passa assim a ser objeto de disputa pela singularização e expressão de uma força que se diferencia.
Não se trata mais de uma leitura política em termos de dispositivo de poder, mas sim de uma leitura ética, em termos de prática de si. Uma forma do sujeito pensar em sua própria capacidade de variação dentro de um campo subjetivo. Como compor um modo de vida potente? Nasce então uma função crítica, de um sujeito que procura outros modos de vida; uma função de luta, de alguém que procura afirmar certo modo de vida encontrado; uma função terapêutica e curativa, de uma subjetividade dona de si mesma; e um função criativa, que busca experimentar antes de interpretar.
Ética Estética
Em primeiro lugar, os textos desta série passarão pelas várias etapas da arte de se obter prazer e cuidar de si mesmo, sua constituição, seus questionamentos e suas técnicas. Isso quer dizer que os gregos não entendiam os prazeres dentro do contexto das leis, das proibições ou de códigos bem estabelecidos. Pelo contrário: tudo será uma questão de doses! A prudência busca saber onde o antídoto começa a tornar-se veneno.
O que veremos aqui é uma análise das problematizações, não de comportamentos nem de ideologias. Há então uma diferença essencial entre Moral e Ética. Sendo a moral um conjunto de valores, regras e leis pré-estabelecidas pelas mais variadas instituições que nos circundam (família, instituições educativas, igrejas, governo, etc.). Elas trazem um princípio que deve ser respeitado e, acima de tudo, internalizado, ou seja, devemos nos submeter e levar o desejo a desejar segundo esta lei. É exatamente contra este conjunto de práticas e processos, que cria um sujeito moral, servil e impotente, que Foucault desenvolverá o tema do Cuidado de Si .
Não se encontrará, nos filósofos, projeto para uma legislação coercitiva e geral dos comportamentos sexuais”
– Foucault, Cuidado de Si, p. 45
Quando falamos de Ética e Cuidado de Si estamos em um campo totalmente diferente. Foucault vai até os antigos para encontrar uma outra figura do sujeito, uma outra possibilidade de existência, outros mundos, outras realidades, não mais marcadas por um código estrito, mas por uma arte de viver! Um pensamento que resista e escape do poder, que seja capaz de pensar o campo das forças e dos desejos, aproximando o sujeito de si mesmo, criando consistência na diferença através das mais variadas técnicas.