Deleuze e Guattari publicaram O Anti-Édipo em 1972 e, segundo eles, alcançaram um “sucesso aparente”: o livro teve um alcance enorme, mas não tinha chance de destruir a estrutura edípica do pensamento psicanalítico. Por outro lado, em 1980, eles publicam Mil Platôs e falam de um “fracasso aparente”, porque, embora não tenha sido tão lido quanto o anterior, o livro atinge em cheio seu objetivo: cria conceitos para pensar a multiplicidade pura e a maneira como ela se encontra estratificada.
Mil Platôs é o livro das multiplicidades e de seus estratos. Mil, de multiplicidade; Platôs, de estratos. É um longo livro dividido em capítulos de temática muito variada (biologia, linguística, história, política, estética, ética), mas são as mesmas questões que se apresentam repetidamente. Podemos resumir a problemática do livro (de maneira kant-nietzscheana) em três perguntas:
- Que fato? – O real é, de fato, multiplicidade que precede qualquer unidade, terra anterior a qualquer território;
- Que direito? – A multiplicidade pura reclama, de direito, sua legitimidade para além de todo estrato que a territorialize;
- Que vida? – A tensão entre multiplicidade e estratificação no modo de vida, questão de limites, de combate, de criação, de intensidade.
Essas três questões permeiam o livro, seja nos momentos críticos – ressaltando os processos ilegítimos de estratificação, onde a multiplicidade se encontra submetida aos estratos – seja nos momentos propositivos – onde os autores inventam maneiras para pensar a multiplicidade nela mesma, propondo formas disruptivas de viver. Cada capítulo é um platô atravessado por questões repetidas dentro de um novo tema que, por sua vez, o fazem variar.
Mil Platôs compartilha o mesmo subtítulo de O Anti Édipo: capitalismo e esquizofrenia 2. Mais do que a continuação de uma teoria, esse segundo tomo leva adiante o que havia de fundamentalmente prático no primeiro. É a criação de conceitos como maneira nômade/esquizo de fazer filosofia, levando o combate para além da psicanálise e entrincheirando-se em qualquer campo onde a multiplicidade estiver presa no modo sedentário/paranoico de pensar.