Introdução
O problema da Biopolítica aparece para Foucault pela primeira vez em 1976 com seu curso “Em Defesa da Sociedade” e a publicação do primeiro volume de “História da Sexualidade”. Mas é apenas com “Segurança, Território e População” (1978) e posteriormente em o “Nascimento da Biopolítica” (1979) que o tema se desenvolve por completo. Por biopolítica, Foucault busca compreender como o poder se desenvolve e passa a conduzir a vida. Desta forma, perguntamos, como passamos da soberania sobre os territórios para a regulação das populações?
Se a disciplina criou um conjunto homogêneo de viventes, então a pergunta da biopolítica será: como organizá-los? Em outras palavras, dada uma população devidamente disciplinada, como conduzi-la? Como cuidar de sua saúde, educação natalidade, seu trabalho, produção? Como ensiná-los a se conduzirem segundo os interesses do poder? Todas estas perguntas necessitam de uma Biopolítica ou seja, o desenvolvimento de um poder sobre a vida.
Biopolítica: eu entendia por isso a maneira como se procurou, desde o século XVIII, racionalizar os problemas postos à prática governamental pelos fenômenos próprios de um conjunto de viventes constituídos em população: saúde, higiene, natalidade, longevidade, raças…”
– Foucault, Nascimento da Biopolítica, p. 431
Biorregulação
Ora, é a própria disciplina que abre esta possibilidade. Depois priorizar a vigilância no lugar da punição, o poder cria para si uma questão nova: e os outros aspectos da vida? Sendo assim, é possível compreender a “Governamentalidade” e a “Biopolítica” simplesmente como uma Biorregulação Estatal, regulação de todos os aspectos da existência pelo Poder.
Tudo isso começou a ser descoberto no século XVIII. Percebe-se, consequentemente, que a relação do poder com o sujeito, ou melhor com o indivíduo, não deve ser simplesmente essa forma de sujeição que permite ao poder tomar dos sujeitos bens, riquezas e, eventualmente, seu corpo e seu sangue, mas que o poder deve exercer-se sobre os indivíduos, uma vez que eles constituem uma espécie de entidade biológica que deve ser levada em consideração, se queremos, precisamente, utilizar essa população como máquina para produzir, para produzir riquezas, bens, para produzir outros indivíduos. O descobrimento da população é, ao mesmo tempo que o descobrimento do indivíduo e do corpo adestrável, o outro núcleo tecnológico em torno do qual os procedimentos políticos do ocidente se transformaram”
– Foucault, Ditos e Escritos IV
A biopolítica é exatamente o conjunto de mecanismos e procedimentos tecnológicos (saber-poder) que tem como intuito manter e ampliar uma relação de dominação da população. Ele articula-se intimamente com a história das transformações políticas e econômicas, e passa, lentamente, a fazer parte intrínseca de todas relações sociais.
Governar se torna mais do que simplesmente disciplinar. Isso agora é pouco. A Biopolítica é o conjunto de estratégias de gestão dos viventes, mecanismos biológicos que passam a fazer parte das estratégias políticas: higiene, alimentação, sexualidade, natalidade, longevidade. O objeto da biopolítica: toda a dinâmica da população, seu corpo, sua saúde, suas ideias, sua subjetividade, sua vida.
PLANO HISTÓRICO
Antes de mais nada, temos o plano histórico que permite uma determinada visão de mundo. É da história, da realidade, das condições sócio-políticas de uma época que um plano de imanência (ou transcendência) pode se formar. Em suma, todos estão em seu próprio tempo, e dele não podem fugir.
O plano histórico da revolução industrial e francesa marcam a passagem do Soberano punitivo para o Burguês Disciplinador: poder anátomo-político individual e produtivo. Agora temos o plano histórico da Biopolítica, onde o governo das populações (seus desejos, interesses, ideias, condutas) se torna um problema para o poder.
Se antes tínhamos um modelo de soberania e punição mesclado com mecanismos disciplinares de vigilância, agora vemos se sobrepor a isso uma terceira camada, concentrada nas técnicas de governo. A Biopolítica nasce de uma mistura de população disciplinada com economia política.
O nascimento da Biopolítica
Qual é o objetivo agora? Crescimento econômico contínuo e infinito. Vemos então as ideias liberais conduzirem o que resta da Soberania, Disciplina e Biopolítica na mesma direção: alcançar o máximo de lucro com o mínimo de esforço, o máximo de governo com o mínimo de Estado, o máximo de controle com o mínimo de dispêndio.
Com os estados nacionais constituídos, é hora de uma competição externa, por mais mercado, e uma regulação interna. Existe algo novo, acima do soberano, acima da lei, o Estado agora dobra os joelhos para a economia. É preciso inverter completamente a fórmula: agora o mercado é regulador do Estado! Não é possível ignorar ou desprezar a importância desta inversão.
A economia de mercado não subtrai algo do governo. Ao contrário, ela indica, ela constitui o indexador geral sob o qual se deve colocar a regra que vai definir todas as ações governamentais. É necessário governar por causa do mercado. E, nessa medida, vocês veem que a relação definida pelo liberalismo do século XVIII é inteiramente invertida”
– Foucault, Nascimento da Biopolítica, p. 165
Apenas a partir deste plano histórico surgem visões de mundo, conceitos e personagens que habitam este plano e esta racionalidade. Sendo assim. precisamos entender aqui qual é a racionalidade do capitalismo liberal, como ele pensa, o que ele quer, o que procura. Somente assim teremos recursos para entender a Biopolítica.